Quase dez anos depois de publicada, A Lei de Alienação Parental (LAP) tem passado por nova análise no Senado desde que a comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre maus-tratos a crianças e adolescentes, criada em 2017, sugeriu sua revogação. Para o então senador Magno Malta, que presidiu a CPI, a lei desvirtua o propósito de garantir o convívio das crianças ou adolescentes com ambos os pais quando garante o direito a pais abusadores de terem acesso irrestrito aos filhos. A CPI produziu várias propostas que modificam a legislação. Uma delas, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 498/2018, pede o fim da lei e está sendo avaliado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A revogação seria uma resposta aos casos nos quais pais ou mães acabam perdendo a guarda por denunciarem o outro genitor por abusos ou outras formas de violência que, mais tarde, não se pode comprovar. Atendendo a lei de alienação parental, no caso de uma denúncia não se comprovar verdadeira, é determinada a guarda compartilhada ou até a inversão da guarda em favor daquele que pode, de fato, ser um abusador. Por medo de uma inversão de guarda, e como não presenciou o fato, o outro genitor pode ser levado a ignorar a narrativa da própria criança que se diz abusada para não correr o risco de ser uma denúncia falsa, mantendo vivo um ciclo de abuso que poderia ser evitado.
Exagero
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu com especialistas a proposta de acabar com a lei de alienação em duas audiências públicas sobre o tema. A senadora Leila Barros (PSB-DF), ao relatar o projeto, sugeriu que, em vez de revogar completamente a Lei de Alienação Parental, o Congresso corrija as brechas que possibilitam o mau uso das medidas nela previstas, impondo sanções a quem pratique essa conduta. Para a relatora, descartar a lei completamente por causa de algumas falhas seria uma “medida exagerada”.
“Isso daria plena liberdade de ação para os alienadores e, principalmente, em prejuízo das crianças e dos adolescentes, violando o direito à convivência familiar”, disse no relatório, que deve ser votado em 2020 pela CDH. Na sua emenda substitutiva, Leila Barros pediu critérios mais rígidos para diferenciar a denúncia sabidamente falsa, que pode levar à reversão da guarda, da denúncia em que o pai ou mãe acredita de boa fé na sua veracidade. “Essa má-fé distingue o denunciante que tem por finalidade exclusiva prejudicar o outro genitor daquele que está (genuinamente) preocupado com a criança. Isso permite discernir entre um eventual excesso de zelo, no segundo caso, e a alienação maliciosa, no primeiro”. O substitutivo passa a reconhecer como alienação parental somente a denúncia que é sabidamente falsa desde o momento em que é formulada.
Leila defendeu três pilares no seu relatório: o bem estar das crianças, a segurança para que genitores possam denunciar suspeitas de abuso sem serem punidos e o envolvimento de juízes na fases iniciais do processo, o que se daria em audiências com as partes envolvidas antes de uma decisão com a de reversão de guarda, por exemplo. Ela reforça, nos casos de pedidos de ampliação do regime de convivência e alteração ou inversão do regime de guarda, o respeito ao direito do contraditório e à ampla defesa. A senadora previu punição para o uso malicioso da Lei de Alienação Parental com objetivo de praticar crimes contra a criança ou o adolescente, como abuso sexual: multa e pena de reclusão de dois a oito anos, somados à pena pelo crime cometido.
Além do substitutivo, Leila Barros apresentou o Projeto de Lei 5.030/2019, que agrava a pena para crimes sexuais cometidos contra menor sob guarda ou tutela do abusador. Se a proposta for aprovada, as penas serão aumentadas em até um terço se o crime for praticado contra crianças entre seis e 14 anos. Nos casos de crimes contra menores de seis anos, as penas serão elevadas em até dois terços. O projeto permite, ainda, a decretação de medidas protetivas de urgência para a proteger os jovens e dispõe sobre a perda de bens utilizados na prática criminosa.
Argumentos
Na audiência de junho na CDH, o tema causou polêmica entre especialistas. Membro do Movimento Pró-Vida, o advogado Felicio Alonso atacou duramente a LAP, acusando-a de inconstitucional e feita “especificamente para defender os pedófilos”. A conselheira titular do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Conanda), Iolete Ribeiro da Silva, criticou a falta de uma definição científica da síndrome da alienação parental. Para o conselho, a ideia de guarda compartilhada já seria suficiente para assegurar o convívio com os dois genitores, enquanto a LAP se mostra “inoportuna” e violadora dos direitos dos menores.
Já Tamara Brockhausen, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ), se manifestou contra a revogação da lei. Segundo a psicóloga, não faz sentido revogar uma lei com tamanho impacto nacional na proteção emocional da prole, com a justificativa de mau uso em casos isolados. Tamara sugeriu pequenas modificações à LAP, evitando que denúncias não comprovadas, ou decorrentes de equívoco, levem à presunção automática da prática de alienação parental. Ela acha, por exemplo, que a inversão da guarda diante de falsa denúncia só poderia acontecer se for interesse da criança e desde que preservadas as condições parentais do outro genitor.
Alienação
A Lei 12.318 considera ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente — promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância — para que repudie o pai ou a mãe ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com os genitores.
De acordo com a lei, são exemplos de alienação parental fazer campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar contato de criança ou adolescente com genitor e dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar.
A lei também considera alienação parental os atos de omitir deliberadamente do genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; e mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Antes de ir ao Plenário do Senado, a proposta será votada na CDH e, na sequência, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Fonte: Agência Senado
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