Notas sobre as Notas

Notas sobre as notas (n.41)

Publicado em 15/04/2020

O NOTÁRIO E O SIGILO PROFISSIONAL            

(terceira parte: Da distinção entre o sigilo absoluto e o sigilo relativo) 

Tal se encontra na doutrina de González Palomino, “não deve o notário esquecer-se do catecismo”, pois que, com efeito, a obrigação de guardar segredo não é, para o notário, do mesmo grau da obrigação de guardar-se o sigilo do confessionário. E isto, diz  Romero Herrero, porque a obrigação do notário “no es de derecho divino, sino humano, en el que hay pocas cosas absolutas e inflexibles (…)”; ainda que esta origem humana do dever notarial de sigilo passa, em dado sentido, conceder-se, é de lembrar, com Giménez-Arnau, que o débito de segredo imposto ao notário “se funda em razones lógicas de moral natural que la doctrina acepta sin discusión”.

Para bem discriminar ambas as obrigações –a da guarda sigilo do sacramento e a do segredo notarial, esta, relativa, aquela, absoluta–, e, com isto, melhor compreender o caráter menos estrito da obrigação de conservar o sigilo notarial, parece convir uma concisa incursão no campo do direito canônico, nele acercando-nos do conceito do sigilo sacramental (que a vigente legislação canônica distinguiu do segredo penitencial, este imposto a sujeitos distintos do confessor: v.g., o intérprete).

Não se trata aqui de solidar o capítulo do segredo notarial nos fundamentos doutrinais da moral católica, mas apenas de recrutar nela –e no direito canônico que a tem por esteio– elementos de cotejo para melhor apreciação do dever de sigilo que pesa sobre os notários. De todo o modo, a própria moral natural, à margem da Revelação, repudia a violação dos segredos “como una infidelidad a los deberes sociales” (Giménez-Arnau), mais especificamente: uma vulneração da justiça.

Conforme a doutrina juscanônica, a obrigação de sigilo sacramental é de caráter absoluto, obrigação estritíssima derivada de quatro fontes –ou seja, firmada em quatro pilares (cf. Alonso Lobo, Miguelez Dominguez e Alonso Morán, tomo II dos Comentarios al Código de derecho canónico, editado pela BAC de Madrid, 1963), quais são (i) o direito natural, por nele vedar-se a difamação; (ii) o quase contrato estabelecido entre o confessor e o penitente, de modo que se insinua a confiança em este revelar àquele seus pecados sob a condição de que não os noticie a ninguém; (iii) o direito divino positivo, porque a penitência foi instituída por Cristo: S.Mateus, 16, 19 e 18, 18: “Em verdade, vos digo, tudo o que atardes sobre a terra, será atado no céu, e tudo o que desatares sobre a terra, será desatado no céu”; S.João, 20, 22-23: “E disto isto, (Cristo) soprou sobre eles (os apóstolos)  e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; a quem os retiverem, ficarão retidos»”; (iv) o direito eclesiástico (assim, já no Código anterior de direito canônico, cânon 889, e no atual, cânon 983).

Comentando o Código de direito canônico atual, Fernando Loza observou que o legislador eclesiástico enunciou em norma positiva da Igreja “uma gravíssima obrigação de iure divino”, a de um “absoluto, permanente e inviolável segredo”, acrescentando que “seria sumamente odioso e aborrecido para os fiéis se os pecados confessados pudessem alguma vez revelar-se”. E prossegue este autor, salientando que o texto original latino do cânon 983 (em seu § 1º), para indicar o âmbito do prejuízo do confitente, usa o advérbio aliquatenus (em qualquer ponto, em qualquer coisa), o que dá ideia da amplitude da matéria objeto do segredo.

Todavia, ainda presente essa amplitude, calha ver que, na obrigação imposta nesse cânon 983, não se inclui aquilo que, direta ou indiretamente, não se refira a pecados –quer mortais, quer veniais– confessados pelo penitente (p.ex., opiniões políticas, situação econômica, dificuldades laborais, etc.), embora se trate de algo manifestado por ocasião de ministrar-se o sacramento penitencial.

Se no âmbito de um dever absoluto de sigilo, assim o é o sacramental, há matéria que, como visto, não se abrange no débito de sigilo, por maioria de razão nem tudo o que ao notário se revela propter officium é sigiloso.

Antes mesmo de pontualizar algumas tantas hipóteses de isenção ou dispensa do dever de preservar o segredo notarial, caberia indagar, assim o fez Romero Herrero, se essa isenção ou dispensa de guardar o segredo legitima a obrigação de violá-lo.

Sobre isto haveremos de tratar a seguir.