O NOTÁRIO E A MORALIDADE PÚBLICA (parte 3)
Se pretendemos que o notário, propter officium – ou seja, na condição de quem atua ad publicam utilitatem – deva agir também de acordo com regras de caráter moral, temos de perguntar-nos quais são essas regras e como podemos captá-las. Se as queremos de observância geral é porque elas têm de ser objetivamente universais e de captação não menos universal.
Tal ficou dito, a moral pública – ou ética da comunidade –, considerada à luz de seus princípios e fundamentos, tem por pilar as universais normas da lei natural, conhecidas pela razão e, desde que conformadas a essa lei da natureza, também se apoia nas regras peculiares da tradição de cada comunidade, regras estas são gestadas pela vida em comum de gerações sucessivas de cada povo e fazem-se como aplicações normativas peculiares da lei natural.
Se é assim, se as normas da moral são universais, ao ponto mesmo – assim se apontou acima – de que as regras particulares das várias comunidades têm seu valor subordinado à lei natural, é necessário que essa lei tenha não só uma constituição objetiva ou material (ou seja, algo independente de nossa inteligência), mas, além disso, tenha também a suscetibilidade de conhecimento universal (é o que redunda na norma subjetiva da moral, vale dizer, na captação da norma objetiva por nossa inteligência).
Que é, pois, uma norma moral? De dois modos apresenta-se, para logo, a norma moral: no primeiro modo, objetivo ou material, em que, como toda norma, configura-se como regra ou medida, mas sendo norma moral, por ela medimos a bondade ou maldade de um ato humano e regulamos nossa conduta. No segundo modo, subjetivo ou formal, é a captação intelectual das normas morais objetivas.
De uma das excelentes obras de Octávio Nicolás Derisi, Fundamentos metafísicos del orden moral, podemos aqui reproduzir com esperado proveito uma indagação fundamental: “qual é a norma objetiva que, independentemente da apreensão subjetiva da inteligência, constitui imediatamente bom, mau ou indiferente um bem ou objeto relativamente à vontade?” E o próprio Derisi, após visitar uma série de interessantes opiniões doutrinárias, apresenta esta resposta:
“a norma formalmente constitutiva da moralidade vinca-se na ordenação final ou último fim do homem e das coisas: os objetos serão bons ou maus, segundo sejam apetecidos em conformidade ou desconformidade com seu fim, e, sobretudo, com seu último fim.”
Ora, não pode o homem atingir seu último fim se não por meio da plena realização de sua natureza, porque nela se imprime sua finalidade (em todas as coisas, o fim está impresso na própria natureza de cada qual). De que segue a conclusão de que a natureza humana exprime a norma moral, não como sua fonte estritamente constitutiva, mas, sim, como sua fonte manifestativa.
Pode já entender-se por que motivo se diz que o primeiro princípio da razão prática – ou da moralidade – consista em agir o bem e evitar o mal (bonum faciendum, malum vitandum), porque o bem leva a realizar a natureza do homem, e o mal, a molestá-la, a estorvá-la, a impedir-lhe a consecução dos fins que nela se imprimem.
Prosseguiremos.
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