NOTAS SOBRE AS NOTAS (n. 13)
Des. Ricardo Dip
SOBRE A CREDIBILIDADE DO NOTÁRIO (primeira parte)
Encerrou-se o pequeno artigo anterior desta série de escritos “Notas sobre as Notas” com a afirmação de ser a credibilidade um dado conatural ao notário, o mais característico da identidade dos tabeliães.
Queria agora meditar um pouco mais sobre este assunto e fazê-lo no confronto com alguns fatos que, em nossos tempos, vêm revelando, entre alguns poucos (menos mal!), o menor ou nenhum apreço da boa praxis do exercício notarial.
Assim recrutam-se episódios de apropositada frustração de princípios notariais (pense-se, por todos, ad exempla, no da imediatidade e no da obrigatoriedade de prestação funcional) e de concorrência predatória.
É relevante considerar que, ao lado de uma imposição legal de credentidade -vale dizer, de fé notarial: a imperação juridicamente compulsiva de aderir à verdade afirmada pelo testemunho qualificado que emana do notário-, há também uma espécie de espontânea fidúcia comunitária (de fé do notário), de persuasão social de ser razoável aderir à verdade asseverada por quem, profissionalmente, possui bastante autoridade intelectual e moral; trata-se aqui do reconhecimento comunitário da credibilidade dos notários.
Credibilidade é um termo logicamente abstrato correspondente ao concreto credível (resultante do adjetivo latino de segunda classe credibilis, e), o digno de crédito, o que merece ser acreditado, porque tem o hábito da veracidade, é costumeiramente veraz.
Se é certo que a importância da credibilidade -ou, por seu aspecto objetivo, a da verdade– interessa a todos os homens e afeta não só o campo da justiça, mas o conjunto das virtudes (é de Servais Pinckaers a sentença de que, “sem a verdade, não há felicidade, nem amor que dure”), é fato que importa ao bem comum alguns sejam sempre relevantemente verazes: tanto quanto, por exemplo, de um juiz não se haja nunca de esperar fraudação proposital da justiça num jogo de baralho (coisa que não se opina tão severamente de alguém do qual não se reclame o hábito profissional de ser justo), também do notário não se há de esperar em caso algum, por desimportante pareça, falte à veracidade, porque ele é um profissional da verdade.
Além, contudo, de a autenticidade do notário -fonte de sua credibilidade- ser um predicado dele exigível profissionalmente (o que, pois, nele especializa e intensifica a autenticidade exigida de todos os homens), ela é ainda um fator de conveniência institucional. Com efeito, a debilitação dessa autenticidade (com o perigo consequente da perda da credibilidade social) implica o desprestígio da instituição do notariado.
Tem-se de ver que a inautenticidade (ou hipocrisia) sequer tem favorecido, para usar uma expressão de Piotr Roszak, a “lógica do êxito” que se aventaria dirigir essa corrosão da alma notarial. Com efeito, no Brasil, o ultimamente contínuo assédio cético e mesmo destruidor das notas, seja com a diáspora de suas funções -o que se tem, entre nós, em paradoxal convivência, penduleado do centripetismo administrativo (centrais do estado, ativismo exógeno-normativo sem assinação constitucional) às fugas privatísticas (centrais de gestão particular, blockchain, etc.)-, seja com frequentes propostas de ablação das notas, muito desfruta do funesto vício capital com que, avessados do dever de veracidade, alguns tabeliães (poucos, espera-se sempre hajam de ser poucos; bem poucos, francamente espero), alguns tabeliães, praticando com seu proprium lucrum um escambo com a ratio essendi das notas, terminam por sacrificar o sentido último do notariado.
Será possível que não se perceba que o bem comum é tão pessoal quanto o bem de cada indivíduo?
Prosseguiremos, sobretudo com a análise (sucinta) dos tipos e das motivações da mentira.