A preocupação com a prosperidade intergeracional dos negócios e patrimônio familiar ocupa uma importante posição nos planos das famílias, especialmente daquelas que têm seus negócios como a única ou principal fonte de renda.
Desse modo, cada vez mais tem se falado sobre a importância do planejamento patrimonial e sucessório, visando a preservação do que foi construído em anos de empenho e dedicação familiar. A par disso, os profissionais que atuam nessa área ao lado das famílias, como advogados, consultores e agentes financeiros, têm frequentemente se deparado com algumas questões que, na verdade, se traduzem em mitos bastante comuns. Neste artigo, buscamos desmistificar algumas das crenças que são frequentemente trazidas em conversas sobre o tema.
Holding é a solução mais eficaz
A terminologia “holding” teve uma notável popularização nos últimos anos, especialmente pela difusão do assunto por profissionais em redes sociais. Esse movimento foi bastante positivo, ao passo que, invariavelmente, acabou por acender em muitas famílias o interesse sobre o tema, que é tão importante para seus negócios. Contudo, também gerou alguns efeitos colaterais, quando a ferramenta passou a ser comumente vista e oferecida como uma solução universal.
Em termos simples, a holding é uma empresa que pode ser constituída como sociedade empresária limitada (LTDA) ou sociedade anônima (S.A.), e que concentra ativos, como bens imóveis e participações societárias. Atualmente, é possível encontrar diversas terminologias que variam de acordo com a finalidade de constituição da empresa, como holding familiar, patrimonial, rural etc.
Em sendo a holding uma pessoa jurídica, há outros temas complementares muito relevantes que acompanham a sua implementação, como contábeis e societários. Essas questões, todavia, são comumente ignoradas, seja por falta de tecnicidade do profissional que está desenvolvendo a estrutura, seja por uma não personalização da elaboração.
É a ponderação de tais questões que costuma acompanhar a decisão de implementação, ou não, da holding como a melhor ferramenta de planejamento para a família. É possível alcançar resultados bastante satisfatórios em termos de organização patrimonial, governança empresarial e de sucessão. Ao revés, pode trazer custos desnecessários e até a implementação de um cenário que nem sequer era desejado pela família (como a reunião dos bens ao invés da divisão entre os herdeiros, por exemplo), e que poderia ter sido alcançado com outras ferramentas às vezes até mais simples, seja via celebração de contrato de doação, testamento, contratação de um produto financeiro etc.
É por isso que se diz ser a holding uma dentre as numerosas estratégias disponíveis, e não uma solução universal, haja vista que a implementação do planejamento patrimonial e sucessório é uma jornada única e personalizada para cada família.
Regime de separação total de bens afasta cônjuge do recebimento de herança
O regime de bens costuma ser uma das primeiras perguntas em entrevistas com famílias para implementação de planejamentos patrimoniais e sucessórios, pois influencia as operações a serem implementadas, principalmente pelos aspectos sucessórios e societários.
Pela codificação atualmente em vigor no Brasil (Código Civil de 2002), são cinco os regimes de bens definidos (sem prejuízo, todavia, de serem adotados regimes híbridos à ocasião da celebração do pacto antenupcial), quais sejam: 1) comunhão parcial; 2) comunhão universal; 3) separação total convencional; 4) separação total obrigatória; e 5) participação final nos aquestos.
Sem a intenção de adentrar às peculiaridades de cada regime, uma observação preliminar importante é que na celebração da união estável também é possível estabelecer o regime de bens aplicável. Na hipótese de não ser eleito nenhum regime (como nos casos em que não se celebra escritura de união estável), o regime aplicado será o da comunhão parcial de bens.
Pois bem, partindo para o caso da separação total, é comum ouvir casais que relatam ter escolhido – ou influenciado seus filhos a escolherem – tal regime por não quererem que o cônjuge tenha parte nos bens do outro à ocasião da divisão, seja pela ocorrência do evento divórcio ou do evento morte.
Todavia, não é exatamente esse o reflexo jurídico quando o casal opta pelo regime da separação total. Com a sua adoção, durante a constância da união, não há a comunicação dos bens do casal, fazendo com que cada cônjuge consiga administrar seus bens com independência. Desse modo, não é obrigatória a outorga conjugal para a celebração de negócios como a compra e venda de um imóvel, pois os bens são considerados particulares.
Na hipótese de divórcio do casal, em regra, não há partilha de bens entre os cônjuges, permanecendo cada qual com o seu patrimônio após a dissolução da sociedade conjugal. Na hipótese de falecimento de um dos cônjuges na constância da união contraída sob esse regime, entretanto, a realidade é diferente. O cônjuge sobrevivente irá concorrer com os descendentes ou ascendentes do falecido na condição de herdeiro necessário, recebendo parte do patrimônio.
Vale, por fim, uma observação importante. Está em discussão o anteprojeto do Código Civil, que, dentre outros assuntos, propõe a exclusão do cônjuge do rol de herdeiros necessários – o qual continuará, todavia, na ordem de sucessão hereditária do artigo 1.829 do Código Civil. Se aprovada essa mudança legislativa, haverá grande impacto nas relações patrimoniais de muitas famílias e nos respectivos planejamentos patrimoniais e sucessórios.
Planejamento patrimonial é para as famílias com grandes fortunas
A implementação de estratégias de planejamento patrimonial e sucessório não pressupõe ou requer que a família possua um montante mínimo específico, justamente por se tratar de um projeto completamente personalizado. Independentemente do valor dos bens, o conjunto patrimonial de uma família é sempre relevante, pois corresponde a 100% do seu patrimônio.
Desse modo, sob o ponto de vista de patrimônio acumulado, as estratégias a serem escolhidas pela família podem variar significativamente. É possível implementar soluções com alto grau de sofisticação e custo, incluindo a internacionalização dos ativos com a criação de veículos como fundos, offshores, trusts e testamentos no exterior. No entanto, também é perfeitamente viável endereçar as intenções da família mediante a adoção de soluções mais simples, como pela elaboração de um testamento no Brasil, de um acordo de sócios, de um contrato com cláusula restritiva etc.
Portanto, embora a avaliação do patrimônio familiar possa influenciar as medidas propostas, ela não serve como critério classificatório ou desclassificatório para o planejamento patrimonial e sucessório. Cada projeto é moldado de acordo com as necessidades e características específicas da família, garantindo a adequação e a relevância das soluções implementadas.
Planejamento sucessório só faz sentido a partir de uma idade avançada
Assim como não existe um valor mínimo necessário para a estruturação de um planejamento patrimonial, a idade também não é um fator decisivo. Embora seja uma preocupação que surja com o passar do tempo, comumente quando o detentor do patrimônio passa a se preocupar com a sua saída dos negócios ou com o seu falecimento, muitas medidas podem ser desenvolvidas ainda no início das operações e, inclusive, adaptadas ao longo do tempo com as transformações da família e de seus negócios.
Uma das situações mais comuns nesses casos é a execução do planejamento patrimonial ainda antes do nascimento dos filhos do empreendedor ou antes do casamento de seus herdeiros, considerando eventual anseio de serem fixadas regras de governança específicas aos membros daquele núcleo familiar.
A implementação de medidas o mais cedo possível permite à família prever e regrar um maior número de cenários que podem vir a se desenrolar nos negócios e nas relações familiares. Isso é crucial para prevenir litígios futuros entre os herdeiros, reduzir custos futuros e permitir que o patrimônio já cresça em conformidade com o planejamento concebido.
A antecipação e a flexibilidade do planejamento patrimonial garantem que as soluções adotadas sejam eficazes e adaptáveis, proporcionando segurança e estabilidade para o futuro da família e de seus negócios.
Estruturas offshore são ilegais
Já há alguns anos que o tema offshore e paraísos fiscais tornou-se um tabu no Brasil, pois falar sobre o assunto supostamente atrai certo tom de irregularidade, dada a associação de escândalos de corrupção e lavagem de dinheiro com estruturas internacionais. Além de essa associação não fazer, por si só, com que as operações internacionais sejam ilegais, fato é que a irregularidade está no uso indevido da estrutura — e não na existência da offshore em si e nem na internacionalização do patrimônio.
De um ponto de vista conceitual, offshore e paraíso fiscal são duas coisas distintas. É possível por exemplo, constituir uma offshore em paraíso fiscal, isso porque o paraíso fiscal (tax haven, em inglês) refere-se à determinada jurisdição territorial cuja regulamentação tributária sobre a renda é mais benéfica, isto é, local com baixa ou nenhuma tributação.
Tais jurisdições costumam atrair entidades offshore, que são sociedades constituídas em país distinto daquele de residência de seu detentor, justamente porque elas desenvolverão suas atividades sob benefícios fiscais.
Essa estrutura não representa nenhuma ilegalidade, sendo, inclusive, fonte de arrecadação, valendo aqui a menção da recente Lei nº 14.754/2023, que trata da tributação de aplicações em fundos de investimento no País e da renda auferida por pessoas físicas residentes no país em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.
De todo modo, as ferramentas internacionais, sejam offshores, trusts, foundations, também demandam uma cautelosa análise dos objetivos da família, considerando, principalmente, os custos de constituição, manutenção e compromissos com uma série de obrigações de ordem fiscal, societária e regulatória.
Conclusão
Além dos mitos destacados neste artigo, há muitas outras dúvidas que pairam sobre as famílias quando o tema é organizar seu próprio patrimônio e gerir sua sucessão, o que acentua a necessidade de serem buscadas soluções ao lado de profissionais qualificados e experientes.
A implementação de um planejamento patrimonial e sucessório pode proporcionar diversas vantagens, como a redução de custos, previsibilidade tributária, respeito à vontade do detentor e prevenção de litígios familiares. No entanto, é fundamental entender que o planejamento não resolve todos os problemas familiares e não pode ser replicado de forma indistinta.
É por isso que se diz que o planejamento começa dentro de casa. É importante que a própria família ou o detentor do patrimônio compreenda claramente seus objetivos. Somente assim será possível traçar as estratégias que um bom planejamento patrimonial e sucessório pode oferecer. Cada família é única, e um planejamento eficaz deve refletir essa singularidade, garantindo soluções personalizadas e adaptáveis às suas necessidades específicas.
Fonte: Conjur
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