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IBDFAM – Principais alterações da proposta do CCB sob a perspectiva notarial e registral

Publicado em 27/03/2024

Autor: Comissão notarial nacional do IBDFAM 

A COMISSÃO NOTARIAL NACIONAL DO IBDFAM, representada pela sua Presidente Priscila Lopes Teixeira Agapito e seu Vice-Presidente Thomas Nosch Gonçalves, apresentam um trabalho desenvolvido pela Comissão, com especial agradecimentos aos notários que compõe a Comissão.

Considerando a redação da Relatoria-Geral, o presente artigo tem por objetivo apresentar em caráter informativo as principais alterações da proposta, sob a perspectiva notarial e registral, para toda comunidade extrajudicial, de sorte a permitir a reflexão quanto aos possíveis impactos sobre as rotinas notariais. Assim, para que não fique tão complexo, apresentamos de forma mais resumida os pontos de maior interface com a atividade tabelioa.

Parte Geral:

É possível verificar nos primeiros artigos da proposta a temática da personalidade internacional, constando-se a inclusão no sistema da declaração de respeito a tratados internacionais, garantindo a todos os sujeitos de direito a possibilidade de exercer direitos civis, reconhecendo e garantindo-lhes esses direitos. Como se vê, o primeiro artigo tem impacto na atividade notarial que poderá, por intermédio da plataforma do e-notariado, materializar esses direitos de personalidade. 

No artigo 4º e 5º foram propostas mudanças para dar mais roupagem jurídica às manifestações das crianças, que poderão expor vontades em casos relacionados aos direitos de família, principalmente quando os pais não concordarem entre si.

Foi acrescido do termo “morte encefálica”, no art. 6º, que trata do fim da existência da pessoa natural, aproximando da Lei 9.434/97 e a Resolução Nº 2.173, de 23 de novembro de 2017, do Conselho Federal de Medicina – CFM.

No artigo 9º, houve uma hipertrofia do rol de atos registrados no Registro Civil das Pessoas Naturais. Além disso, a eficácia civil de direitos fundamentais abrange todos os objetos pertencentes à natureza humana, suas essencialidades e potencialidades. Como se vê, foi expandido o espectro para integrar todo tipo de relação jurídica, especialmente fruto da IV Revolução Industrial.

Aliás, isso desafiará ainda mais a atividade notarial, na medida que deveremos nos preparar para formalização dos atos com essa interface.

Outra inclusão necessária que desafiará a instrumentalização notarial é do artigo 83 na medida que consideram-se móveis para os efeitos legais: IV – os conteúdos digitais dotados de valor econômico, tornados disponíveis, independentemente do seu suporte material.

Essa alteração vai reverberar na práxis notarial em todos os atos que envolvam esses direitos “atuais”.

Ainda sobre os bens, tivemos uma nova classificação dos animais de estimação, nos termos artigo 91-A na qual os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial. A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais; Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis, subsidiariamente, aos animais as disposições relativas aos bens, desde que não sejam, considerando a sua sensibilidade, incompatíveis com a sua natureza.

Da relação afetiva, entre humanos e animais, pode derivar legitimidade para a tutela correspondente de interesses, bem como pretensão reparatória por danos experimentados por aqueles que desfrutam de sua companhia[1].

Destaque sobre o artigo 108, no qual foi proposta modificação para que se exija escritura pública em toda relação que transmita bens imóveis, não importando o valor, inserindo-se uma redução dos custos na ordem de cinquenta por cento os emolumentos das escrituras públicas de negócios que tenham por objeto imóvel com valor venal inferior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

CONTRATOS

Não poderíamos deixar de começar os comentários desta seção abordando a possibilidade de os cônjuges renunciarem à herança deixada pelo marido ou esposa ou companheiro em caso de morte. Hoje, a Justiça costuma anular esse tipo de decisão. A renúncia à herança poderá vigorar em pacto antenupcial ou em contrato de união estável. No Estado de São Paulo, o Conselho Superior da Magistratura já decidiu pela invalidade destas disposições.

Assim, caso a proposta ultrapasse todas as fases (jurídicas e legislativas) será plenamente possível essa renúncia.

O artigo 426 –Este artigo tem relevância substancial para a atividade notarial, em especial, em seu parágrafo único (Parágrafo único. Não são considerados contratos tendo por objeto herança de pessoa viva, os negócios: I -firmados, em conjunto, entre herdeiros necessários, descendentes, que disponham diretivas sobre colação de bens, excesso inoficioso, partilhas de participações societárias, mesmo estando ainda vivo o ascendente comum; II -que permitam aos nubentes, por pacto antenupcial ou convivencial, renunciar à condição de herdeiro). Isto se dá na medida em que o inciso I reafirma prática já usual na atividade, e o inciso II encerraria o debate pela não possibilidade de se estabelecer, por pacto antenupcial, a renúncia da herança, fato este que gera, na atualidade, um desconforto em toda a comunidade tabelioa, inclusive com alguma jurisprudência administrativa sendo contrária a esta possibilidade. Logo, seria uma mudança de paradigma.

A natureza da convenção, por sua importância, exige a forma pública. Neste sentido, a renúncia aos direitos hereditários em nosso sistema atualmente já deve ser formalizada por escritura pública ou por termo dos autos judiciais do inventário.

Houve ampliação da liberdade contratual nos contratos paritários e simétricos. Aliás, cabe uma ressalva aqui, seria recomendável a instrumentalização por escritura pública em todos esses contratos, com expressa participação plurilateral de advogados representantes aumentando assim, ainda mais a paridade e segurança jurídica.

Quanto à doação de cônjuge ao cúmplice, a comissão propôs a revogação, com a qual o membro Flávio Tartuce concordou enquanto Rosa Nery discordou. Os relatores propuseram que o prazo para ação anulatória será contado do registro, ou da ciência anterior, o que ocorrer primeiro.

Essa ciência ainda gera uma complexa prova, o que poderá também ser provado por uma ata notarial de certificação. Vale lembrar que essa sugestão não está inserida na proposta.

Ainda sobre esses contratos simétricos e paritários, –a Inclusão do parágrafo segundo (§2° A cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito) é de suma importância de modo a deixar claro que cláusulas contrárias à função social do contrato, princípio foco do novo modelo contratualista brasileiro, são nulas e não anuláveis. Assim, as Escrituras Públicas seguem tais determinações e, portanto, cabe ao notário uma verificação mais verticalizada dos dispositivos pleiteados pelas partes no momento da confecção do ato notarial. Além disso, a edificação dos ditames esculpidos nos arts. 421-A a 421-E reforçam o prisma de uma atuação mais global, alicerçada nas novas bases principiológicas contratuais.

Nas doações, tormentosa prova da inoficiosidade o artigo 549 altera de nulidade da parte excedente na doação inoficiosa para ineficaz. Em sequência, em seus parágrafos, regula sobre os parâmetros para verificação desta ineficacização. Houve no artigo 551 a inclusão de maneira expressa da união estável de modo a ampliar a interpretação das doações conjuntivas e do direito de acrescer. Porém, retiram a presunção do direito de acrescer, sendo este apenas de modo expresso na Escritura Pública, seguindo a regra geral.

Em relação ao mandato e seu instrumento, a procuração, demanda recorrente em um tabelionato de notas, foi mantida a possibilidade de substabelecimento por instrumento particular, ainda que se outorgue mandato por instrumento público. Porém, restringe as hipóteses em que a forma pública não é da substância do ato. Assim, diminuindo sobremaneira a possibilidade de utilização deste instrumento fora do âmbito notarial. Ademais, deixou de forma expressa a possibilidade de o mandatário concluir os negócios jurídicos encetados já quitados em vida pelo mandante, ressaltando a sua não inclusão no inventário e a promoção do denominado “alvará notarial”

Direito das Coisas

O artigo 1.227 estabelece que direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem pelo registro dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247) na circunscrição imobiliária onde o bem se localiza, salvo os casos expressos neste Código. O dispositivo trouxe um procedimento de notificação e eventual retificação. Contudo, ainda não ficou muito claro como seria na prática essa situação, tendo em vista que há previsões legais para alcançar aquele fim.

 A proposta do artigo 1.247 gera inúmeras nuances no encadeamento notarial, na medida em que se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado postular que seja retificado ou cancelado. Não se procederá ao cancelamento do registro de título aquisitivo irregular que possa atingir direitos reais adquiridos onerosamente por terceiros de boa-fé, sem que estes sejam ouvidos.

Outrossim, não será considerado de boa-fé o terceiro que comprovadamente tinha ciência da irregularidade do título.  A aquisição do terceiro de boa-fé não prevalecerá em face de direitos reais adquiridos, independentemente do registro; e nas situações expressamente previstas em lei.

Há inúmeros problemas neste artigo, especialmente por não dialogar com a concentração da matrícula prevista no artigo 54 e parágrafos da Lei 13.097/15.

Por outro lado, a proposta do artigo 1247-A é muito feliz, especialmente do civilista Flávio Tartuce, na medida em que a alienação de bem imóvel feita por aquele que não é o seu proprietário é considerada ineficaz. Parágrafo único. Nos termos deste artigo, ressalvam-se os direitos adquiridos de boa-fé.

DIREITO DE FAMÍLIA

A proposta do novo Código Civil traz a nomenclatura de CONVIVENTES e não COMPANHEIROS. Foi incluída a possibilidade de união estável dos menores entre 16 e 18 anos poderão a constituir, se emancipados ou autorizados por seus representantes legais, sendo o registro facultativo mas, se feito, altera o estado civil para o de conviventes.  Destaca-se neste ponto fortes argumentos críticos a essa alteração de estado de civil.

Foi excluído no artigo 1564- E – o termo concubinato, mas o texto proposto reconhece que se houve esforço comum deverá haver a partilha de bens daqueles que estiverem impedidos de constituir família.

Destaque para possível ata notarial, nos termos do artigo 1.571-A, ao passo que além de cessarem os deveres de fidelidade e coabitação, a separação de corpos ou de fato cessam os efeitos decorrentes do regime de bens

A comissão defende que a alteração do regime de bens dos casamentos e uniões estáveis seja feita no cartório. Também poderá ser realizado no cartório os divórcios, mesmo quando o casal tiver filhos menores de 18 anos. Hoje, esse procedimento é feito no Judiciário. Outra situação que poderá ser solucionada pelo notário é o divórcio unilateral em alguns casos – por exemplo, quando há violência doméstica. Como se vê, houve uma valorização da atuação extrajudicial.  

Nos termos do artigo 1.581, o divórcio pode ocorrer sem prévia partilha de bens e o artigo 1.582-A, tratou do divórcio unilateral ou dissolução de união estável requerido perante o RCPN. Será competente aquele em que está registrada o casamento ou a união estável. Aqui, com toda vênia aos relatores, deverá ser feita uma adequação que retrate melhor a situação, ou que ainda, especifique apenas a dissolução conjugal SEM PARTILHA. Aliás, o próprio CNJ já corrigiu anterior equívoco com relação às competências notariais e registrais, fixando norma segundo a qual Registrador Civil não pode fazer partilhas, nos termos de todo arcabouço jurídico, mesmo com o §6º definindo por não poder cumular com o pedido de divórcio ou de dissolução da união estável nenhuma outra pretensão, em especial, alimentos, arrolamento, guarda de filhos, partilha de bens, ou medidas protetivas.

Outrossim, o artigo 1.582-B – prescreve que o divórcio, a dissolução da união estável, a partilha de bens, a guarda de filhos menores e os alimentos em favor de ex-cônjuge, ex- convivente ou de filhos menores poderão ser formalizados por escritura pública:

§1º – dependerá de prévia aprovação do MP, se:

I – cônjuge ou convivente incapaz;

II- gravidez ou filho menor;

III – guarda ou alimentos relativos à filho menor

§2º – manifestação prévia do MP no prazo de 15 dias e se limita a fiscalizar os interesses do incapaz.

§3º – em caso de discordância do MP não poderá ser via extrajudicial

Por outro lado, o artigo, 1.639 prevê a alteração de regime de bens por intermédio de escritura pública. Seria recomendável a inclusão da necessidade de apresentação de alguma certidão negativa? A título de exemplo: certidões de feitos ajuizados e protesto. Assim, o tabelião ou o registrador civil já poderiam comunicar tal circunstância, para averbação nos cadastros necessários.

Avançando um pouco mais, o artigo 1.778-A, tratou da Diretiva Antecipada de Curatela, na qual vontade antecipada de curatela deverá ser formalizada por escritura pública ou por instrumento particular autêntico. Dessa maneira a práxis notarial denominada autocuratela que privilegia a autodeterminação da pessoa, passa a ser considerada instituto jurídico autônomo do Código Civil. O ato notarial de Diretiva Antecipada de Curatela poderá ou não ser lavrado em Notas conjuntamente com as Diretivas Antecipadas de Vontade (v. art. 15 da Redação Relatoria-Geral).

Aliás, o próprio parágrafo único do Artigo 1.778-B defende indiretamente a certeza e segurança jurídica da escritura pública.  

Sucessões

O projeto de Novo Código Civil traz alterações profundas no Livro V dedicado ao Direito das Sucessões. Algumas das mudanças propostas vão ao encontro direto dos operadores do Direito, na medida em que afastam problemas e confusões gerados pelas disposições do Código vigente.

Uma das maiores novidades trazidas pelo projeto é a relativa às disposições concernentes ao Direito Sucessório que diz respeito à harmonia que se estabelece entre o Livro V e o Livro IV do Direito de Família. Isto porque no atual sistema pátrio esses livros contêm disposições antagônicas e regras conflitantes entre si.

Curiosamente, uma das alterações que merece destaque não está propriamente no Livro V do Direito das Sucessões mas sim no Livro I, na parte relativa aos contratos. Isso porque, de acordo com o art. 426 do Código Civil de 2002, a herança de pessoa viva não pode ser objeto de contrato. Essa regra cogente sempre afastou a possibilidade de futuros cônjuges ou companheiros renunciarem reciprocamente suas heranças em pactos antenupciais e instrumentos de reconhecimento de união estável. Pelo atual sistema, ainda que os futuros cônjuges ou companheiros optem pelo regime da separação absoluta de bens, afastando qualquer comunicação patrimonial entre eles em vida, não conseguem impedir esta comunicação e concorrência com outros herdeiros em sede sucessória.

O novo projeto de Código Civil conta com duas redações distintas para resolver essa questão. De acordo com a proposta da jurista Rosa Nery, “Não são considerados contratos tendo por objeto herança de pessoa viva, os negócios: I – firmados, em conjunto, entre herdeiros necessários, descendentes, que disponham diretivas sobre colação de bens, excesso inoficioso, partilhas de participações societárias, mesmo estando ainda vivo o ascendente comum; II – que permitam aos nubentes, por pacto antenupcial ou convivencial, renunciar à condição de herdeiro”. Já o professor Tartuce propõe que: “Os cônjuges podem, por meio de pacto antenupcial, e os conviventes, por meio de escritura pública de união estável, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro do outro cônjuge ou companheiro; § 2º A renúncia pode ser condicionada às hipóteses de concorrência com descendentes ou com ascendentes; § 3º A renúncia pode ser condicionada, ainda, à sobrevivência ou não de parentes sucessíveis de qualquer classe, bem como de outras pessoas, nos termos do artigo 1.829, não sendo necessário que a condição seja recíproca”.

Assim, de acordo com a redação proposta, a incomunicabilidade patrimonial entre cônjuges é efetivada em vida durante a constância do matrimônio ou união estável e também após o falecimento de qualquer dos consortes.

Outra proposta a merecer destaque diz respeito à inclusão dos bens digitais do falecido como bens de valor economicamente apreciável que integram a herança e que devem ser partilhados. São inseridas disposições de proteção aos dados digitais do falecido e inclui-se a possibilidade de escrituras públicas como títulos hábeis à regularização da titularidade dos bens digitais junto às respectivas entidades controladoras das plataformas.

Como é cediço, o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, podem ser objeto de cessão por escritura pública (CC/2002, art. 1.793). O novo projeto amplia a possibilidade dessa cessão para instrumentos particulares subscritos por duas testemunhas, o que acaba por flexibilizar a segurança das relações jurídicas. Além disso, gera uma inconsistência no sistema, uma vez que se teria de admitir como instrumento válido dentro de uma escritura pública de arrolamento sumário e adjudicação, por exemplo, um instrumento particular de cessão que carece dos mesmos requisitos de segurança e aferição de identidade e capacidade daquela escritura pública.

O novo projeto cria ainda a possibilidade de uma escritura pública de autorização para alienação de bens para a transferência de titularidade de bens móveis de falecidos cujo valor não ultrapasse a 100 (cem) salários mínimos, independentemente de inventário ou arrolamento. Essa medida vem de encontro a uma problemática diária e flexibiliza a judicialização, na medida em que oferece excelente alternativa extrajudicial ao alvará.

Por outro lado, com relação à existência de herdeiros incapazes o projeto pouco avança. Para situações em que há herdeiro incapaz e total consenso entre cônjuge/companheiro e demais herdeiros, a jurisprudência vem autorizando, expressamente, a lavratura de escrituras pública de inventário e partilha extrajudiciais. Aliás, Corregedorias-gerais de alguns Estados inclusive, já inseriram essa possibilidade em suas Normas de Serviço. O novo projeto, entretanto, é tímido com relação a essa deferência e insiste na judicialização da causa, mediante solicitação de alvará, com oitiva do Ministério Público.

De acordo com o artigo 1832 do Código Civil de 2002, em concorrência com os descendentes, caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

A concorrência entre cônjuge e descendentes ou ascendentes é eliminada pelo novo projeto de Código Civil. Todavia, a nova redação proposta para o mencionado artigo 1832 causa estranheza pois dispõe que: “o herdeiro com quem comprovadamente o dono da herança conviveu, e que não mediu esforços para praticar atos de zelo e de cuidado em seu favor, durante os últimos tempos de sua vida, se concorrer à herança com outros herdeiros, com quem disputa o volume do acervo ou a forma de partilhá-lo: I – terá direito de ter imediatamente, antes da partilha, destacado do montemor e disponibilizado para sua posse e uso imediato, o valor correspondente a 10% (dez por cento) de sua quota hereditária; II – se forem mais de um os herdeiros nas condições previstas no caput deste artigo, igual direito lhes será garantido, nos termos do §1º; III- se a herança não comportar as soluções previstas nos §§ 1º e 2º e ela consistir apenas em único imóvel de morada do autor da herança, terão as pessoas apontadas no caput deste artigo direito de ali manterem-se, com exclusividade, a título de direito real de habitação.”.  O que seria “que não mediu esforços para praticar atos de zelo e de cuidado durante os últimos tempos de vida…”? Quais atos são assim considerados? Quanto tempo antes do falecimento pode ser enquadrado como últimos tempos de vida? A subjetividade na aferição de critério para reserva de quinhão hereditário vai de encontro à objetividade da igualdade constitucional e inevitavelmente implicará numa maior litigância entre as partes que resolverão discutir e demonstrar a ocorrência ou não de tais circunstâncias judicialmente. A esta altura, suscitar mais demandas judiciais não parece assertivo e provavelmente não deve ter sido o intento do proponente da redação.

No tocante à ordem de vocação hereditária, o novo projeto de Código Civil exclui a concorrência do cônjuge com descendentes ou ascendentes, alocando-o apenas na terceira posição. Além disso, ele deixa de ser herdeiro necessário. O regramento do projeto relativo à legítima fica um pouco dúbio. Atualmente, de acordo com o art. 1.846 do Código vigente, pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. Pela nova redação deste artigo, o testador, se quiser, poderá destinar até um quarto da legítima a descendentes e ascendentes que sejam considerados vulneráveis ou hipossuficientes. Não resta claro, assim, se a legítima permanece como cinquenta por cento da herança ou se teria sido reduzida para vinte e cinco por cento, ou se existe categoria de herdeiro necessário, vulnerável e hipossuficiente a quem o quinhão atribuído de legítima deva ser maior. Mais uma vez, critério subjetivos vão de encontro à objetividade do Direito. Isso porque a condição do herdeiro vulnerável e hipossuficiente, além de ser subjetiva, pode ser passageira, pois um herdeiro que não preencha essa condição quando da lavratura do testamento pode ser nela enquadrado quando da morte do testador, o que geraria um conflito nas disposições testamentárias, ou até mesmo invalidade.

Considerando-se que, pelo novo projeto o cônjuge/companheiro não é mais herdeiro necessário, para exclui-lo da herança basta que o testador o faça expressamente ou disponha de seu patrimônio sem o contemplar. Aliás, como ressaltado inicialmente, este afastamento pode ter sido realizado quando do pacto antenupcial, antes mesmo do casamento.

No tocante ao testamento público, várias alterações foram inseridas. O novo projeto, por exemplo, abre a possibilidade ao testador de dispor acerca da legítima, podendo partilhá-la entre os herdeiros.

Além disso, insere-se uma obrigação ao tabelião ou seu substituto de gravação em sistema digital de som e imagem das declarações do testador que será exibida a ele que confirmará, por escrito, seu teor.

Por fim, inova o projeto ao trazer uma regra específica aos hospitais, clínicas, asilos, casas de repouso ou a donos da residência em que esteja pessoa que não possa se movimentar, ambular ou deslocar-se, que não poderão impedir o ingresso de delagatários que venham praticar atos notariais em suas dependências, cabendo ao tabelião, quando solicitado, identificar-se perante o estabelecimento ou perante os donos da casa, declarando com precisão quem os contatou e solicitou sua presença. Nesta oportunidade o tabelião poderá, igualmente, realizar a gravação do corrido e das declarações tomadas.

Outra inovação do texto, segundo Flávio Tartuce, foi o livro de Direito Digital que provavelmente ficará localizado no final do novo Código. Os relatores anunciaram a criação dos seguintes capítulos: Disposições gerais; Pessoa no ambiente digital; Situações jurídicas; Direito ao ambiente digital transparente e seguro; Patrimônio digital; Herança digital; Crianças e adolescentes no ambiente digital; Inteligência artificial; Contratos digitais; Assinaturas eletrônicas; Atas notariais eletrônicas.

Nesse contexto, o artigo. 1.791-A, de fato se faz necessária a alteração do Código Civil para abranger de modo expresso questões relacionadas à vida digital, as quais, muitas vezes, no que se refere ao aspecto patrimonial, possuem expressão muito superior às próprias coisas físicas. Há perfis de redes sociais com expressivo valor econômico, entre outros inúmeros exemplos que se poderiam ser citados. Já se partilhou entre herdeiros uma conta do Instagram? É algo a se refletir, pois se trata de uma realidade. Há contas na referida rede social que valem milhões de reais, e geram receitas igualmente monumentais. Por outro lado, também acertada se mostra a decisão de incluir a impossibilidade de se impedir que uma pessoa disponha sobre os próprios dados, pois do contrário uma pessoa com existência real poderia ter sua vida manipulada no meio digital para se tornar um “boneco” de si própria. Exceto, evidentemente, no que se refere a dados de pouco impacto e que por sua natureza possam sofrer restrição.

Já no art. 1.791-B, também parece acertada a alteração proposta pela Comissão, pois o acesso indiscriminado de qualquer pessoa, ainda que por vínculo sanguíneo, forte, como o da própria filiação, pode ser motivo de grande constrangimento. O falecido já não pode sentir o constrangimento, mas a memória que as pessoas dele guardam deve ser protegida, incólume, pois o juízo que a sociedade guarda de uma pessoa pode ser a própria essência daquilo que o falecido buscou por toda uma vida.

Ademais, foram apresentadas propostas de artigos tratando do direito de desindexação e ao esquecimento, com a retirada de conteúdo ofensivo a partir de alguns critérios e sem prejuízo da responsabilidade civil.

Assim, verifica-se que o projeto de novo Código Civil responde adequadamente a vários anseios dos comunidade jurídica no sentido de dirimir conflitos existentes na legislação vigente.

Sem a pretensão de afrontar a ínclita comissão de juristas responsável pela proposta em comento, este grupo de trabalho, sob a batuta do IBDFAM, no propósito de contribuir, apresenta algumas sugestões em âmbito sucessório. Notadamente, no tocante à cessão de direitos hereditários por instrumento particular, na forma proposta, poderá causar graves prejuízos às partes e inviabilizar os inventários extrajudiciais, indo na contramão da necessária desjudicialização.

Além disso, o prazo para o exercício do direito de preferência do coerdeiro, previsto no artigo 1795, começaria a contar do registro da cessão ou da ciência do ato, o que ocorrer primeiro. Contudo, o registro no Ofício Imobiliário da cessão de direitos hereditários é ato controverso. Em muitos Estados, a cessão não é objeto de registro. Portanto, a sugestão é que o prazo comece a fluir do registro do inventário.

Outro ponto de suma importância que não foi enfrentado, foi a impossibilidade de inventário extrajudicial quando houver incapazes: Não há qualquer prejuízo aos incapazes se a partilha for igualitária, conforme a lei, cada herdeiro recebendo a sua quota legítima em cada um dos bens. Ao contrário. A partilha extrajudicial, sem necessidade de intervenção judicial, traz mais celeridade ao procedimento e, de consequência, benefícios ao incapaz.

O prazo de 2 anos do artigo 1.800, §4º (§ 4º Se, decorridos dois anos da abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, ou estabelecida a filiação, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos) parece estar em desacordo com o prazo de 5 anos previsto no artigo 1.798, §1º (§ 1º. Somente é reconhecido direito sucessório aos filhos gerados após a abertura da sucessão, se nascidos no prazo de até 5 (cinco) anos a contar daquela data).

Recomenda ainda a inclusão da nomeação de inventariante no §2º, do artigo 1.805: §2º: O requerimento de abertura do inventário, a simples manifestação nos autos, a nomeação prévia de inventariante por escritura pública e os atos de mera administração ou conservação dos bens hereditários, incluindo a ocupação, a habitação e proposição de medidas judiciais em defesa do patrimônio, praticados pelo eventual herdeiro, não implicam aceitação tácita da herança.

Por fim, o artigo 1.864 parece afastar a possibilidade de testamento on-line, pelo e-notariado, representando aparente incongruência com atual de compatibilização entre direito e tecnologia.

Por outro lado, inova em institutos inserindo definições e categorias subjetivas, as quais certamente implicarão em possível incremento no volume de demandas judiciais, o que é sobremodo indesejável. Neste contexto, resta aguardarmos a aprovação do texto final.

Fonte: IBDFAM