A Justiça de São Paulo determinou que uma mulher pague alimentos gravídicos à ex-companheira. Com o rompimento do relacionamento, ela também deve arcar com os custos da gestação da autora da ação e, posteriormente, dividir os gastos com o filho resultante da vontade de ambas em exercer a maternidade. A decisão é da 2ª Vara da Família e Sucessões da capital paulista.
O casal viveu em união estável por sete meses, período em que realizou uma inseminação artificial caseira com doador encontrado em rede social. Semanas após a confirmação da gravidez, o relacionamento chegou ao fim e aquela que não era gestante decidiu abandonar o projeto parental, alegando não ter mais interesse em ser mãe.
A gestante ajuizou então ação declaratória de maternidade, cumulada com pedido de danos morais e fixação de alimentos gravídicos. A juíza que analisou o caso determinou a exclusão do pedido de danos morais, para que seja pleiteado em ação própria, na vara cível. Por entender que a legitimidade ativa seria do filho e não da mãe, o pedido de declaração de maternidade também não foi considerado.
Em sede de tutela de urgência, a magistrada concedeu o pedido de fixação de alimentos gravídicos no percentual de 20% dos rendimentos líquidos da requerida. O entendimento é de que se aplica o artigo 6º da Lei de Alimentos Gravídicos (11.804/2008): “Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”.
“Deve ser aplicado por analogia, por existirem indícios da existência de um relacionamento homoafetivo entre as partes, bem como de que a gravidez, resultou de decisão de ambas, tendo a requerida tomado todas as providências para a realização da inseminação artificial caseira na autora”, observou a juíza.
Importante precedente
Para a advogada Beatriz Volpi, que atuou no caso, a decisão representa um importante precedente para o Direito de Família contemporâneo. “Isso porque o artigo 6º da Lei nº 11.804/2008 determina que a fixação dos alimentos gravídicos é possível quando o juiz estiver convencido da existência de ‘indícios da paternidade’”, explica.
“Na prática, os alimentos gravídicos são concedidos quando há demonstração da existência de possível vínculo biológico entre o ‘futuro pai’ e o nascituro. Cabe a gestante demonstrar que tenha tido um relacionamento com o homem, ainda que eventual, e que dele resultou a gravidez”, avalia Beatriz.
De acordo com a advogada, o conceito de família evoluiu para tornar-se mais igualitário e plural. “Ao aplicar o artigo 6º ao caso concreto por analogia, essa decisão reafirma o direito das pessoas LGBTQIA+ de exercerem a parentalidade, porque rompe a lógica heteronormativa de que sempre haverá uma mãe e um pai. Além disso, a decisão também reconhece que os indícios de parentalidade vão além do vínculo biológico.”
“No contexto dessa ação, o projeto de uma dupla maternidade é que resultou na gravidez. O nascituro foi concebido por duas mães. Por esse motivo, ainda que o relacionamento amoroso tenha acabado, ambas as mulheres são responsáveis pela subsistência do nascituro e pelas despesas decorrentes da gravidez”, defende.
Igualdade de deveres e responsabilidades
A decisão caminha no sentido da igualdade de deveres para casais homoafetivos, já que reconhece a legitimidade e a responsabilidade decorrentes do projeto de maternidade. “Hoje, o exercício da parentalidade é um direito reconhecido as pessoas LGBTQIA+ e pode ser exercido por meio da adoção ou da realização de técnicas de reprodução assistida”, frisa Beatriz Volpi.
Ela pontua que a realização de técnicas de reprodução assistida não é a única forma de concepção utilizada nos relacionamentos entre mulheres. “O elevado custo da inseminação artificial motiva muitos casais lésbicos a realizarem a inseminação caseira. Essa prática é uma realidade e não deve ser desprezada pelo Direito. Inclusive, a dupla maternidade, em casos de inseminação caseira, já é reconhecida pela jurisprudência em ações movidas por ambas as mães que, juntas, buscam o reconhecimento do projeto conjunto de maternidade.”
A decisão da Justiça de São Paulo vai além nessa discussão. “Reconhece a responsabilidade ainda quando uma das mulheres abandona o projeto. O projeto parental não se sustenta apenas em um relacionamento afetivo. O fim de um relacionamento, independentemente da orientação sexual das partes, não deve implicar no abandono da maternidade ou da paternidade, quando a gravidez já aconteceu.”
Alimentos gravídicos
“Desde a concepção, os direitos do nascituro são resguardados. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) prevê, em seu artigo 7º, a realização de políticas sociais públicas que assegurem o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso das crianças e adolescentes”, comenta Beatriz Volpi.
Neste contexto, os alimentos gravídicos são um importante instrumento de proteção ao nascituro. “A gestação pode resultar em despesas adicionais que não devem ser custeadas apenas pela gestante, ainda mais se considerarmos que muitas vezes, durante a gravidez e por causa dela, as gestantes experimentam redução significativa de seus rendimentos.”
“Os alimentos gravídicos são essenciais para assegurar o melhor desenvolvimento da gestação e o preparo para a chegada do nascituro. Consistem em um dever jurídico de amparo à gestante que deve ser assegurado também nas gestações originadas de relacionamentos homoafetivos e inseminações caseiras”, destaca Beatriz.
Ela conclui: “Nosso objetivo é que seja dado ao caso um tratamento isonômico, então os alimentos gravídicos aqui pleiteados não são mais ou menos importantes, são igualmente importantes”.
Fonte: IBDFAM
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