A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ reverteu decisão que indeferiu pedido de gratuidade em ação de alimentos em favor de crianças. De acordo com o colegiado, tal direito não pode ser condicionado à demonstração de insuficiência de recursos do representante legal, tendo em vista sua natureza personalíssima e a notória incapacidade econômica dos menores.
Em primeiro e segundo graus, o pedido havia sido indeferido sob o fundamento de que não foi comprovada a impossibilidade financeira da mãe. O entendimento havia sido que a condição de menor não presume a impossibilidade de custear o processo, já que a genitora, que exerce atividade remunerada, também é responsável financeira por seus gastos.
No recurso ao STJ, a defesa da mãe alegou que a concessão da gratuidade deve ser examinada sob a perspectiva dos menores, que são as partes no cumprimento de sentença, e não de sua representante legal. Argumentou, ainda, que o próprio atraso no pagamento da pensão alimentícia leva à presunção de insuficiência de recursos.
“É evidente que, em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais”, observou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.
Decisão inovadora e ampliativa
“A decisão é interessante por apreciar o tema sob uma perspectiva inovadora e ampliativa”, avalia a advogada e professora Fernanda Tartuce, presidente da Comissão de Processo Civil do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
“Para verificar se a pessoa faz jus à assistência judiciária e/ou à gratuidade, costuma-se analisar seu contexto junto ao de sua família; algumas Defensorias Públicas, por exemplo, consideram haver hipossuficiência quando a renda mensal familiar é inferior a três salários mínimos. No acórdão, o enfoque foi dado à condição da criança (titular do direito a alimentos e autora da ação), sendo desconsiderada a situação de sua genitora.”
O pai das crianças não paga nada a título de alimentos desde 2016, o que implicou na redução do padrão de vida da família. Tal negligência é recorrente após o rompimento das uniões, segundo Fernanda.
“O diálogo entre genitores pode estar desgastado por uma série de resistências; confusões na história amorosa acabam afetando a visão sobre os papéis de cada um. Muitos pais se afastam e esquecem que integram uma dupla parental cuja missão é atender aos interesses dos dependentes.”
“O ordenamento jurídico busca coibir casos como esse dotando o credor alimentar de boas regras materiais e eficientes ferramentas processuais – com possibilidade de prisão civil e protesto do nome de devedores inadimplentes”, acrescenta a advogada.
Presunção de veracidade favorece acesso à justiça
O artigo 99, § 6º, do Código de Processo Civil de 2015, dispõe sobre o caráter personalíssimo do direito à gratuidade da justiça. Já os termos no § 2º garantem a possibilidade de demonstrar eventual ausência de pressupostos legais para concessão da gratuidade.
Entre seus apontamentos, a ministra Nancy Andrighi lembrou que o CPC presume como verdadeira a alegação de insuficiência apresentada por pessoa natural e que o juiz só pode indeferir o pedido de gratuidade se houver elementos que evidenciem falta dos requisitos legais para o benefício.
No caso de gratuidade de justiça pedida por menor, ainda segundo a ministra, a melhor solução é que, inicialmente, haja o deferimento do benefício em razão da presunção de insuficiência de recursos alegada na ação, ressalvando-se, contudo, a possibilidade de que o réu demonstre, posteriormente, a ausência dos pressupostos legais que justificariam o benefício concedido.
Fernanda Tartuce explica que a decisão se baseia também na Lei 5.478/68, que, em seu artigo 1º, traz previsões similares às regras do CPC invocadas no acórdão:
“A presunção de veracidade da alegada insuficiência financeira favorece o acesso à Justiça. Afinal, precisar provar um fato negativo (ausência de recursos) é missão praticamente impossível”, comenta Fernanda. Ela explica que a decisão pode ser revertida, futuramente, mediante um fato novo e extraordinário.
“Havendo fato apto a demonstrar que a pessoa tem condições de pagar custas e honorários sem prejuízo da subsistência, a outra parte pode alegar e demonstrar tal circunstância. No caso, isso poderá ocorrer, por exemplo, se a criança for contemplada por uma grande herança ou ganhar um prêmio vultoso”, acrescenta a advogada.
Fonte: IBDFAM
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