AINDA HOJE é possível se deparar com juízes que não aceitam bem a possibilidade da partilha dos direitos aquisitivos (ou mesmo direitos possessórios) em processos judiciais. Situações semelhantes também podem ser amargamente experimentadas no âmbito extrajudicial já que, como sabemos, desde 2007 o Inventário pode ser realizado em Cartórios sem a necessidade de processos judiciais. Não se desconhece que a irregularidade de imóveis é uma realidade lamentável no Brasil (onde mais de 60 milhões de imóveis não possuem Escritura e muito menos Registro em nome dos seus ocupantes). Esse materialização do exercício da posse – seja ela baseada ou não em documento que confira a possibilidade de aquisição e regularização do mesmo – tem importância econômica e jurídica e, por tais razões, não só pode como deve ser incluída em inventários e partilhas, como se verá adiante.
Enquanto a negociação alinhavada em contratos preliminares (como “Promessas de compra e venda”) buscam a lavratura posterior de Escritura definitiva (e com isso a efetiva concretização e conclusão do negócio) haverá também situações em que sem qualquer contrato preliminar prévio ou outro “título” poderão desaguar em futura regularização de imóveis em nome do possuidor (caso clássico de usucapião nas modalidades que dispensam justo título e boa-fé). Não restam dúvidas que esse exercício fático da posse tem importância econômica e jurídica na medida em que prescrito e ministrado o remédio jurídico adequado (seja ele a Adjudicação Compulsória ou a Usucapião – que inclusive podem ser administrados pela via extrajudicial) poderão “curar” a irregularidade registral.
Efetivamente negar o direito à partilha é um desserviço, verdadeiro retrocesso que precisa ser combatido. Comunga do mesmo entendimento o ilustre Promotor Aposentado do TJMG e também Advogado, Dr. DIMAS MESSIAS DE CARVALHO (Direito das Sucessões – Inventário e Partilha. 2023) para quem,
“Nas ações de inventário tem demandado muita controvérsia sobre a possibilidade ou não de se inventariar direitos de posse. Tribunais Estaduais, não raras vezes, têm decidido que, apesar de transmitida com os mesmos caracteres ao herdeiros ou legatários, a posse não pode ser inventariada, necessitando primeiro ser regularizada nas vias ordinárias, por envolver direitos de terceiros, e depois a propriedade regularizada deve ser inventariada. O entendimento, muitas vezes aplicado nos inventários, não é o mais correto, pois viola o art. 1.206 do Código Civil, ao dispor que ‘a posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres’, e o art. 620, IV, g, do Código de Processo Civil, que determina a inclusão no inventário, nas primeiras declarações, dos ‘direitos e ações’. É evidente que a posse é um direito, possui valor econômico e é transmissível aos herdeiros, cabendo a estes, como novos possuidores, proceder à regularização”.
No Estado do Rio de Janeiro o NCN/2023 em louvável dispositivo expressamente admite para Inventário e Partilha Extrajudicial os direitos aquisitivos:
“Art. 445. Podem ser objeto de inventário BENS E DIREITOS, incluindo imóveis PENDENTES DE REGULARIZAÇÃO junto ao Poder Público, assim como DIREITOS POSSESSÓRIOS sobre imóveis, devendo constar do ato a ciência dos interessados de que o registro de propriedade ficará condicionado à sua efetiva regularização”.
Por tais razões resta claro que é plenamente possível a partilha de direitos aquisitivos e direitos possessórios em inventários judiciais ou extrajudiciais, como inclusive consagra a lição da decisão relatada e exarada pelo Excelentíssimo Ministro do STJ, LUIS FELIPE SALOMÃO:
“STJ. REsp 1185383/MG. J. em: 08/04/2014. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DIREITO REAL QUANDO REGISTRADO. ART. 1.225 DO CÓDIGO CIVIL. ARROLAMENTO DE DIREITOS. INVENTÁRIO. ART. 993, INCISO IV, ALÍNEA G, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. (…). 2. A promessa de compra e venda identificada como direito real ocorre quando o instrumento público ou particular é registrado no cartório de registro de imóveis, o que não significa que a ausência do registro retire a validade do contrato. 3. A gradação do instituto da promessa de compra e venda fica explícita no art. 25 da Lei n. 6.766/1979, que prevê serem irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuem direito à adjudicação compulsória e, estando registrados, conferem direito real oponível a terceiros. 4. Portanto, no caso concreto, parece lógico admitir a inclusão dos direitos oriundos do contrato de promessa de compra e venda de lote em inventário, AINDA QUE SEM REGISTRO imobiliário. Na verdade, é FACULTADO ao promitente comprador adjudicar compulsoriamente imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda não registrado, e a Lei n. 6.766/1979 admite a transmissão de propriedade de lote tão somente em decorrência de averbação da quitação do contrato preliminar, independentemente de celebração de contrato definitivo, por isso que deve ser inventariado o direito daí decorrente. 5. O compromisso de compra e venda de imóvel é SUSCETÍVEL DE APRECIAÇÃO ECONÔMICA e transmissível a título inter vivos ou causa mortis, INDEPENDENTEMENTE DE REGISTRO, porquanto o escopo deste é primordialmente resguardar o contratante em face de terceiros que almejem sobre o imóvel em questão direito incompatível com a sua pretensão aquisitiva, o que não é o caso dos autos. 6. Recurso especial provido”.
Fonte: Jornal Jurid
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