Pensar no que acontecerá com o seu patrimônio depois que você morrer talvez não seja uma tarefa agradável, mas pode poupar sua família de brigas e longas disputas judiciais. A principal forma de evitar esses problemas é detalhar a partilha dos bens em um testamento.
Além de distribuir o patrimônio, o documento serve para registrar outras manifestações de vontade. Existem três tipos de testamento. Entenda como funciona cada um, quanto custa e qual deles é o mais indicado.
O que é um testamento?
É um registro de como a pessoa quer a distribuição do seu patrimônio depois que morrer. O dono dos bens que assina um testamento é chamado testador.
Através deste documento, a pessoa pode decidir livremente o destino de até 50% do seu patrimônio. Essa fatia pode ser doada para caridade, por exemplo, ou deixada para um amigo.
A lei obriga que pelo menos metade seja dividida entre os herdeiros necessários, que são:
A proporção a que cada herdeiro tem direito depende de uma ordem preferencial definida por lei (entenda os detalhes aqui). Nem todos serão contemplados.
Sem um testamento, tudo que a pessoa deixar será distribuído pelos critérios legais. Isso pode levar a um processo demorado e com maior possibilidade de disputa entre os herdeiros.
Se a pessoa não tiver herdeiros necessários vivos, ela pode definir pelo testamento o destino de todo o patrimônio.
Quais são os tipos de testamento?
Existem três tipos de testamentos: público, particular e fechado (ou cerrado). Cada um tem grau diferente de confidencialidade e características específicas.
Testamento público
É o formato mais seguro. Precisa ser feito no tabelionato de notas (um tipo específico de cartório), na presença do tabelião e de duas testemunhas. Para ser testemunha, a pessoa não pode estar entre as que vão receber qualquer parcela do patrimônio.
Apesar do nome, o testamento público é sigiloso. Apenas o tabelião e as testemunhas ficam sabendo o que foi escrito. Fica um registro nos cartórios de que a pessoa deixou um testamento, mas o conteúdo só será revelado aos herdeiros depois que eles apresentarem a certidão de óbito do testador.
O objetivo do sigilo é evitar que haja conflito dos herdeiros com o testador, ou dos herdeiros entre si. O segredo sobre o conteúdo também preserva a possibilidade de o testador mudar de ideia e alterar o documento.
O sigilo é uma obrigação dos cartórios. A lei não impede que o testador conte para quem quiser sobre o conteúdo do testamento.
Testamento particular
É feito sem certificação em cartório e precisa estar assinado por três testemunhas (que também não podem receber parte da herança).
O testamento particular tem a vantagem de ser mais barato, porque dispensa os serviços do cartório. Porém, esse tipo de documento não deixa registro público de sua existência, o que o torna menos seguro.
Especialista em direito sucessório e sócio do L.O. Baptista Advogados, Marcelo Paolini recomenda que o testador entregue o testamento particular a alguém de absoluta confiança. Assim, são menores as chances de o documento privado se perder.
Testamento fechado (ou cerrado)
O testamento fechado (ou cerrado) envolve um ritual que lhe confere certo charme, mas é pouco recomendado.
Assim como o testamento público, precisa ser feito num tabelionato de notas, na presença de duas testemunhas. Contudo, ninguém além do próprio testador fica sabendo do que foi escrito.
O envelope com o documento é costurado. O nó da linha é lacrado com cera quente marcada pelo carimbo do cartório. Fica um registro público de que existe um testamento fechado em nome da pessoa. Depois da morte, o envelope é aberto por um juiz na frente dos herdeiros.
É neste momento que os problemas do testamento fechado costumam aparecer. Qualquer irregularidade descoberta pode invalidar o documento. Por exemplo: se o testador não respeitou a parcela mínima (metade do patrimônio) para os herdeiros necessários. Também pode ser considerado nulo se apresentar lacre rompido ou violado.
Por isso o testamento fechado é raro. “Em mais de 20 anos de profissão, nunca fiz um”, afirmou o tabelião Andrey Duarte, presidente do Colégio Notarial da seção São Paulo.
Em 2019, foram registrados 1.099 testamentos fechados em todo o Brasil —apenas 3,4% do total (32.238), de acordo com dados da Central de Atos Notariais Paulista e da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados.
Quem pode fazer um testamento?
Maiores de 16 anos. A lei exige também que o testador tenha pleno discernimento. Isso significa que, no momento em que o testamento é feito, a pessoa precisa estar em condições de saúde física e mental que lhe permitam manifestar sua vontade consciente.
Se alguma circunstância levantar dúvida sobre o discernimento, o testamento pode ser anulado. Por isso, em casos de problema de saúde, recomenda-se que um médico ateste a capacidade da pessoa de manifestar suas vontades.
Preciso de advogado para fazer um testamento?
Não é necessário em nenhum dos casos. Mas a falta de orientação jurídica pode trazer inconveniências. “É importante para evitar nulidades no testamento”, diz Marina Monteiro, sócia do escritório Miguel Neto Advogados.
Segundo a advogada, um especialista ajuda a garantir que o testamento reflita a vontade do testador. Ela afirma que o advogado também pode apresentar outras soluções interessantes para distribuir o patrimônio, como doações em vida.
Que documentos preciso para fazer um testamento?
Para fazer um testamento em cartório é necessário documento de identificação válido do testador e das testemunhas, como RG ou carteira de motorista. É importante lembrar que são duas testemunhas (três só em testamento privado) que não podem ser herdeiras ou beneficiadas pelo testamento de qualquer forma.
Mas não preciso comprovar que sou efetivamente dono dos bens que quero distribuir quando eu morrer? Não necessariamente.
O tabelião Andrey Duarte afirma que os documentos relacionados ao patrimônio são verificados apenas depois da morte, quando começa o processo de sucessão dos bens.
Apesar disso, ele recomenda que a pessoa leve ao cartório o máximo de documentos que puder, como escritura de imóvel, contratos empresariais e documento do carro. “Não interessa fazer um testamento que depois não atinja o objetivo. É uma questão de cautela.”
Alguns tabelionatos pedem um agendamento, pois o processo pode demorar. “Como é um ato para depois da morte, a pessoa não vai estar aqui para tirar eventuais dúvidas. Por isso, há muita preocupação em detalhar a vontade de quem assina”, afirma Duarte.
Existe ainda a possibilidade de pedir ao tabelionato que envie um funcionário até o lugar onde está o testador. É uma opção comum nos casos em que a pessoa não pode se deslocar até o cartório por motivo de saúde.
Quanto custa para fazer um testamento?
O valor varia de estado para estado. Em São Paulo, um testamento público ou fechado custa R$ 1.746 mais o ISS (imposto municipal que não pode ser maior que 5%). O preço é fixo, não muda conforme o tamanho do patrimônio.
Caso a pessoa não tenha condição de ir ao tabelionato, alguns cartórios cobram uma taxa extra para enviar um funcionário até o testador.
O testamento particular não tem custo. Basta que o documento preencha todos os requisitos descritos na lei. Por outro lado, esse modelo também não apresenta a segurança de um testamento em cartório.
O auxílio de um advogado é opcional, mas evita problemas na partilha dos bens. De acordo com a tabela de honorários da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Paulo, um advogado no estado deve cobrar a partir de R$ 3.378, ou pelo menos 3% sobre o valor total patrimônio.
Na opinião do advogado Marcelo Paolini, os custos são mínimos se comparados aos benefícios que um testamento traz. Sem um testamento, as famílias gastam depois com processos judiciais que podem ser longos e desgastantes.
Posso mudar de ideia sobre o que está no testamento?
Sim. O conteúdo do testamento pode ser modificado ou revogado pelo próprio testador a qualquer momento.
Para o que mais serve um testamento?
Embora o principal objetivo do testamento seja distribuir o patrimônio após a morte, ele serve para registrar outras vontades do testador.
A pessoa pode usar o documento para reconhecer um filho e incluí-lo na partilha dos bens. Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, é algo que acontece com frequência.
O testador também pode indicar no testamento quem será o tutor dos filhos menores de idade.
Outra possibilidade é deixar um bem específico com uma condição para que alguém o receba. Pode-se exigir, por exemplo, que a pessoa beneficiada só tenha direito a ficar com um apartamento se ela assumir o compromisso de cuidar de um animal de estimação.
O que é um testamento vital (ou vidal)?
É um documento no qual a pessoa deixa expressa sua vontade em casos extremos de saúde. Por exemplo: o desejo de não ser mantido vivo por aparelhos ou de não receber transfusão de sangue.
A advogada Marina Monteiro afirma, porém, que não se trata exatamente de um testamento. “O nome não é muito bom, porque testamento só surte efeito após a morte. [O chamado ‘testamento vital’] funciona mais como uma escritura de declaração de vontade.”
(Reportagem: Filipe Andretta, do UOL, em São Paulo)
Fonte: Uol Economia
Compartilhar |