Uma série de encontros, a partir de 2016, entre membros da diretoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM deu origem a um anteprojeto de reforma do Direito das Sucessões, que está presente no Código Civil, em vigor desde 2003. A iniciativa resultou no Projeto de Lei nº 3799/2019, de autoria da senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), formulado em parceria com o IBDFAM e apresentado recentemente no Senado.
A proposta é de modernização do Direito das Sucessões, com a correção de discriminações presentes na legislação vigente. O projeto de lei expõe dúvidas e brechas que dão origem a discussões doutrinárias, além de contraditórias posições na jurisprudência. Se aprovado, implicará em alterações na sucessão em geral, sucessão legítima, sucessão testamentária, inventário e partilha.
De acordo com Mário Luiz Delgado, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM, os direitos sucessórios elencados no Código Civil de 2002 estão desatualizados desde que entraram em vigor. “Temos regras excessivamente formalistas voltadas a um modelo de família casamentária, patriarcal e patrimonialista”, critica.
“A discriminação que se fazia em relação aos outros modelos familiares, quando comparados ao casamento, era notória, a ponto de o Supremo Tribunal Federal haver declarado a inconstitucionalidade da diferenciação dos regimes sucessórios do casamento e da união estável”, observa Delgado.
Para o advogado e professor, o Direito das Sucessões atual não acompanha, ainda, as transformações verificadas no Direito de Família, como a desbiologização do parentesco, a filiação socioafetiva, a multiparentalidade e o reconhecimento do afeto como valor jurídico.
Tecnologia em favor das sucessões
Segundo Mário Delgado, também têm sido ignorados os avanços na tecnologia, “mantendo-se uma base analógica inapropriada às demandas de uma sociedade digital”, diz. A reformulação tornaria legítimo o testamento gravado em sistema digital de som e imagem.
Delgado salienta que o projeto apresentado ainda está em construção e deve ser debatido com toda a comunidade jurídica. Novas questões podem ser incorporadas, como é o caso da herança digital e da legitimidade sucessória na reprodução assistida post mortem.
A reforma também amplia o poder de decisão do autor da herança em casos, por exemplo, em que cônjuges e companheiros deixem de ser herdeiros necessários. “Porém, o projeto não avança para um sistema de autonomia plena ou de liberdade absoluta, previsto em outros países, mantendo-se alguns limites ao poder de dispor”, explica Delgado.
“A exclusão dos herdeiros necessários não é permitida de forma ampla e continua restrita às hipóteses de indignidade e de deserdação. O que se procurou fazer, no entanto, foi abrir um pouco mais o rol das hipóteses de deserdação, acrescentando, entre outras, o abandono afetivo do autor da herança, além de simplificar o trâmite da ação de deserdação.”
Benefícios à sociedade
Entre os benefícios à sociedade brasileira, a senadora Soraya Thronicke destaca que a desburocratização do inventário traria consequente redução de seus elevados custos. A acessibilidade também é preocupação dos autores do projeto, que propõem a consideração de testamento gravado em LIBRAS.
As regras sucessórias, segundo a senadora, foram as que menos sofreram alteração ao longo dos anos no Código Civil. “Desde 2015, o Brasil aprovou a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de modo a garantir maior acessibilidade às pessoas, e até hoje a pessoa com deficiência visual não dispõe da possibilidade de usar os recursos da tecnologia para dispor de seu patrimônio através de testamento”, acrescenta.
A senadora observa que o Direito das Sucessões é o mais hermético dentro do Direito Civil, de difícil assimilação a quem não possui formação jurídica. “Por trazer conceitos e regramentos altamente especializados, também exigirá do Parlamento uma atenção especial que repercutirá na sua tramitação, pois muitos parlamentares não possuem essa especialização”, prevê. Até que aprovado, o projeto ainda passará por extensa análise do poder legislativo.
Entenda os principais eixos da reforma
Mário Delgado explica que o projeto é estruturado por três eixos. O primeiro visa a modernização, atualizando regras sucessórias para compatibilizá-las aos avanços tecnológicos e sociais. Alcançaria-se, desta forma, a equalização dos direitos sucessórios entre casamento e união estável e o reconhecimento da socioafetividade como fonte do parentesco, entre outros intentos.
“No segundo eixo, amplia-se a autonomia privada de quem é o dono do patrimônio, o que deve contribuir para popularizar, entre nós, a sucessão testamentária, além de facilitar e conferir maior segurança jurídica às operações de planejamento sucessório”, aponta Delgado.
No terceiro eixo, a tentativa é de desburocratizar o inventário, “admitindo-se o uso do inventário administrativo, mesmo em havendo testamento ou herdeiros menores e incapazes, ao mesmo tempo em que se institui um procedimento administrativo e extrajudicial para o registro, abertura e cumprimento dos testamentos”.
Fonte: Rota Jurídica
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