Outra parte é avisada por oficial de Justiça; Conselho de cartórios quer barrar medida.
A frase dita muitas vezes em finais de casamento –“Não dou o divórcio, se quiser vá na Justiça”– não funciona mais em Pernambuco. Agora, as pessoas já podem ir direto ao cartório de Registro Civil onde foi feito o casamento e solicitar o divórcio, sem precisar que a outra parte esteja de acordo nem mesmo presente.
Um dos cônjuges pode exercer seu direito de se divorciar e de iniciar uma nova vida preenchendo um formulário de requerimento. O oficial de Justiça é responsável por notificar a outra parte e, pronto, está desfeito o vínculo matrimonial.
O chamado divórcio impositivo ou unilateral foi regulamentado em Pernambuco por meio de provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado, publicado na terça-feira (14).
Desde 2007, o divórcio extrajudicial podia ser realizado em qualquer cartório de notas, mas apenas em situação de consenso. Quando um dos cônjuges não concordava com a separação, o casal tinha que passar por processo na Vara de Família.
Essas ações podem levar até um ano para serem resolvidas, diz o desembargador Jones Figueirêdo Alves, corregedor-geral em exercício e autor do provimento. “Vivemos em um país muito oneroso e burocratizado. A ação do divórcio tem uma solução única, não existe possibilidade do juiz não decretá-lo”, afirma.
O divórcio é um direito estabelecido na Emenda Constitucional nº 66/2010, bastando uma das partes ter vontade, sem necessidade de prévia separação judicial ou discussão de culpas sobre o fim do relacionamento.
“Nenhuma lei pode garantir a manutenção do casamento quando existe a quebra dos afetos. A solução deve ser imediata, a ruptura do casamento é um ritual de passagem, que pode ser menos doído”, diz Alves.
A medida pode ser estendida para outros estados, de acordo com ele. “Tenho conhecimento de diversos estados que recepcionaram muito bem [a decisão]. É natural que cada corregedoria possa editar o mesmo provimento.”
Quem ficaria feliz com a extensão da mudança é a cabeleireira Cleusa da Cruz, 51. A história dela viralizou em redes sociais com memes nos últimos dias porque há 25 anos ela tenta se divorciar do ex-marido. Apesar de eles estarem separados de fato, ele não concorda com o divórcio. Um post em que ela dizia que iria de “mala e cuia” para a casa dele se ele não assinasse o documento foi compartilhado mais de 100 mil vezes e teve mais de 400 mil comentários.
“Agora fiquei com inveja das pernambucanas”, diz a cabeleireira, que mora no Rio de Janeiro. Ela vinha tentando a via extrajudicial: por três vezes contratou advogado, preparou os papéis e no dia marcado o ex não comparecia ou chegava e ia embora sem assinar.
Em 2012, ela estava de casamento marcado com o atual namorado, mas não pode assinar os papéis oficializando a união porque o ex não efetivou o divórcio. Restou “casar”, então, com a benção do pastor, festa e bolo. “Isso [a regulamentação do divórcio unilateral] vai ajudar muito as pessoas. É um direito meu, não sou obrigada a ficar com o nome dele”, diz Cleusa.
Mudança de nome A decisão de Pernambuco prevê também que a pessoa já solicite a retirada do sobrenome do cônjuge no requerimento de averbação do divórcio em cartório.
A população mais carente, que depende da defensoria para ações judiciais, e mulheres vítimas de violência, que precisam resolver de maneira mais rápida a separação, serão beneficiadas, na avaliação do corregedor-geral.
Pedidos adicionais mais complexos, como partilha de bens, pensão alimentícia e guarda dos filhos, que costumam vir junto com as solicitações de divórcio, continuarão sendo judicializados quando não houver acordo, mas estarão no foco da Justiça, porque o matrimônio em si já estará dissolvido.
A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), representante dos cartórios, informou que o provimento está restrito a Pernambuco, “mas certamente, se estendido para todo o Brasil, a população e a sociedade em muito se beneficiarão”, segundo Anita Cavalcanti de Albuquerque Nunes, vice-presidente da associação.
Já o Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil, que representa os cartórios de notas, tem outro entendimento. “O divórcio por iniciativa unilateral sem intervenção do notário ou do poder Judiciário tende a gerar mais conflitos como, por exemplo, ações para anular o registro feito, especialmente porque não há previsão no Código Civil para essa modalidade”, afirma o vice-presidente, Filipe Andrade Lima Sá de Melo. A entidade vai pedir a intervenção do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para suspender a medida antes que outros estados cogitem adotá-la.
No novo modelo, assim como no divórcio consensual, ainda é necessário que um advogado ou defensor esteja presente no cartório para assinar o documento. Ao cartório de registros será pago o valor da averbação na certidão de casamento, que em Pernambuco custa R$ 66,36. Para fazer a escritura pública com a partilha dos bens e outras demandas patrimoniais o valor é de R$ 164,16.
Desde 2007, quando se permitiu a realização de divórcios extrajudiciais, foram feitos 13.549 atos em Pernambuco e 649.236 no Brasil.
Fonte: Folha de São Paulo
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