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Clipping – O Tempo – Pandemia leva pais a rediscutirem pagamento de pensão na Justiça

Publicado em 04/05/2020

A crise provocada pelo coronavírus impactou o cenário do direito de família

A crise econômica causada pela pandemia do coronavírus impactou o cenário das Varas de Família. Escritórios de advocacia notam crescimento do número de pedidos de redução do valor de pensões alimentícias por causa da perda de renda dos pais separados. As partes nem sempre chegam a um consenso, então a Justiça é acionada para determinar a nova quantia a ser paga. Nos tribunais mineiros, audiências sobre conflitos familiares são realizadas eletronicamente durante o estado de calamidade, e as decisões urgentes são feitas no plantão.

Em caso de queda na renda do responsável pela pensão, o valor a ser pago pode ser reduzido, mas, para isso, é preciso um acordo judicial, como explica o juiz Carlos Alexandre Romano Carvalho, da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Lagoa Santa. “A pensão sempre é fixada de acordo com a possibilidade de quem paga e as necessidades de quem precisa dos alimentos. Então, o juiz tem que olhar as duas realidades. A pandemia por si só não isenta o pai de pagar pensão nem não reduz a quantia. Ela pode ser um motivo para que se deflagre a redução dos alimentos”, esclarece.

O magistrado explica que o melhor caminho é a busca de consenso entre as partes, para evitar um litígio na Justiça. Caso não tenha condições de arcar com o custo da pensão alimentícia por causa da redução ou da perda de renda, o responsável deve entrar com uma ação revisional de alimentos. Por esse dispositivo, com o auxílio de um advogado ou defensor público, o pai pode conseguir a redução temporária ou prolongada do valor mensal.

O ex-marido de Paula Santos*, por exemplo, busca a redução do valor da pensão, alegando falta de dinheiro por causa da pandemia. O drama aumenta pela dificuldade da realização de audiências causada pelas medidas restritivas para o combate do coronavírus, segundo Paula. “Tenho duas crianças, de 9 e 6 anos, e o pai delas, mesmo antes da pandemia, ficava sem pagar. Porém, gerou um montante devedor, e, até hoje, o juiz não determinou que ele pagasse a pensão ou fosse preso. Com a Covid-19, o fórum não está dando prioridade a essa necessidade básica das mães e das crianças, que estão desamparadas”, conta.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que algumas comarcas estão realizando audiências por videoconferência, mas não soube dizer o número de processos que estão sendo feitos dessa forma, até o fechamento da matéria. Na 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Lagoa Santa, as audiências estão sendo feitas por meio eletrônico.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu, até 15 de maio, em todos os graus de jurisdição, os prazos processuais presenciais. Os processos que tramitam em meio eletrônico serão retomados a partir de 4 de maio.

Paula conta que o pai das crianças dificulta o contato e as ações da Justiça. “Ele escondeu onde estava trabalhando, e demoramos para descobrir e pedir que a empresa desconte na folha o valor da pensão”, reclama. Ela relata que o homem ainda teria usado estratégias para que o processo demorasse, como a apresentação de comprovantes de pagamentos feitos a outras pessoas, e não para o seu filho.

A advogada Silvia (que preferiu omitir o sobrenome), do escritório André Mansur Advogados Associados, explica que a pensão alimentícia é um dos únicos casos de prisão por dívida no Brasil, “Como esse dever está ligado à dignidade da pessoa humana, à própria sobrevivência do credor, ela não sofre exoneração caso o devedor tenha tido a renda diminuída. A prisão é uma das poucas coisas que comove o devedor para evitar o abandono financeiro, então, infelizmente, a lei precisa manter essa punição”.

Guarda compartilhada.

Outro ponto do direito de família que está sofrendo o impacto da pandemia do coronavírus é a guarda compartilhada. O isolamento social dificulta a realização de visitas de pais e mães separados a seus filhos. Esse é o caso de Paulo Santos*, de 36 anos. “Pais de crianças pequenas que desejam manter contato e exercer sua função paterna se veem impedidos neste momento”, lamenta. Para ele, o encontro por videoconferência, orientado pela Justiça, não é o suficiente, já que seu filho tem 3 anos.

Paulo acredita que os pais estão desprotegidos pela Justiça. “Você não pode proibir a mãe de defender o filho, mas você tem que dar garantias para o pai exercer o poder familiar, de estar com o filho durante um evento histórico, uma crise humanitária. E não tem uma política pública nesse sentido até agora”, disse.

Para reduzir problemas como o de Paulo, o magistrado Carlos Alexandre recomenda o bom senso e o diálogo entre as partes. Em alguns casos, o contato entre pai e filho é negado por causa do isolamento social. “Eu tenho o caso de um menino aqui, em Lagoa Santa, que tem que visitar a mãe em Contagem toda semana, mas a criança está no grupo de risco porque ele tem uma doença congênita”, exemplifica. “O melhor na guarda compartilhada é os pais conversarem, se não como você vai compartilhar uma obrigação em que você não se dá bem com a pessoa que é coobrigada?”, explica.

O juiz ainda explica que não existe uma receita que se aplique a todos os processos e que deve ser analisada a qualidade da relação entre pai e filho. “Os pais precisam entender que o importante não é o tempo que você fica com a criança, mas a qualidade. Há casos em que o pai coloca o filho para jogar videogame e não dá atenção à criança”, relata.

O STJ decidiu, no dia 27 de março, que os presos por inadimplemento de obrigação alimentar cumpram a pena em casa durante a pandemia de coronavírus. Porém, o juiz Carlos Alexandre ressalta que essa medida serve para evitar a proliferação da doença no sistema prisional e não desobriga nem reduz a necessidade do pagamento da pensão.

Fonte: O Tempo