Conceito de união estável, inaugurada pela CF/88, influiu no entendimento da Corte.
Concubinato ou união estável? Um caso que aportou no STJ há trinta anos foi pioneiro na discussão sobre a validade de doação de parte da herança a uma “amante”.
Na época, a decisão criou um divisor de águas ao diferenciar juridicamente os termos concubina e companheira, à luz do conceito de união estável inaugurado pela CF/88.
O relator, ministro Sálvio de Figueiredo, afirmou que dispositivo do Código Civil vigente à época, que proibia a concubina de compor o testamento, estava ultrapassado, e que era preciso considerar as transformações da sociedade.
O deslinde do caso na Corte se deu em 1989.
Testamento
Um homem casado deixou em testamento parte da herança para uma mulher com quem morou por sete anos. Tentando anular a doação, a esposa e os filhos do homem alegaram que o Código Civil à época (CC/1916), em seu artigo 1.719, proibia a relação de concubinato disposta no testamento:
Art. 1.719 Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários:
III. A concubina do testador casado
Em contrapartida, a suposta amante, simultaneamente à sua defesa, propôs ação contra a esposa, na qual pedia o reconhecimento do concubinato e solicitava indenização por serviços domésticos prestados ao falecido durante o tempo em que viveram juntos.
Em 1º grau, tanto as solicitações da família quanto as da amante foram negadas. No entanto, a validade do testamento foi reconhecida. Inconformados, viúva e filhos levaram o caso às instâncias superiores.
Durante o julgamento do processo no TJ/RS, a validade do testamento foi confirmada e o Tribunal entendeu que a proibição presente no artigo 1.719 do CC/1916 não incidia no caso, uma vez que a doação realizada à amante não comprometeu a parte da herança que cabia à família.
Outros tempos
No STJ, o processo foi relatado pelo ministro Sálvio de Figueiredo, que considerou as transformações da sociedade para apreciá-lo.
Segundo o ministro, o artigo do CC/1916, que impediria amante de compor o testamento, estava ultrapassado: “Os motivos que inspiraram o codificador de 1916 já não encontram respaldo e ressonância na realidade da família moderna”.
Para Figueiredo, a Corte, ao apreciar processos, deve dar à lei uma interpretação construtiva e atualizada:
“Impõe-se dar a lei, especialmente em certos campos do Direito, como no de família, uma interpretação construtiva, teleológica e de valoração, fundada na lógica do razoável.”
De acordo com o ministro, a jurisprudência que se formava à época estava reconhecendo a união estável como entidade familiar.
O STJ entendeu que, nos termos da nova ordem constitucional, inaugurada pela CF/88, o histórico do caso configurava união estável, ou seja, a mulher que coabitou com o falecido por sete anos não se tratava de concubina, e sim, companheira.
Devido ao processo, a Corte fixou o seguinte entendimento: “companheira” seria a pessoa que é reconhecida socialmente como se casada fosse, que mantém uma convivência pública e duradoura; e “concubina” a pessoa oculta aos olhos da sociedade.
Seguindo a distinção dos termos, à época o STJ reconheceu, por unanimidade, a validade da doação feita pelo testador e ampliou a proteção à companheira, afastando a suposta incapacidade para receber doação em testamento.
Processo: Resp 196
Fonte: Migalhas
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