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Clipping – Brasil de Fato – Como fica a guarda compartilhada dos filhos durante o distanciamento social?

Publicado em 22/06/2020

Especialista tira dúvidas sobre a proteção, bem estar dos filhos e mudanças no regime de convivência durante a pandemia

A medida que o número de infectados pelo novo coronavírus continua crescendo exponencialmente em todo o país, o distanciamento social para combater a proliferação da pandemia continua necessário. A quarentena determinada para proteger a população da doença provocou grandes mudanças na rotina das famílias.

Uma delas é sobre a questão da guarda compartilhada dos filhos de casais separados. Normalmente, as crianças costumam passar parte da semana com o pai e outra com a mãe, além de revezar sábados e domingos na casa de um e de outro.

Mas o translado pode representar um risco à saúde das crianças e da família. Agora, os pais precisam pensar em estratégias para continuar vendo os pequenos, expondo-os o menos possível. Nesses casos, como fica a convivência dos filhos com o pai, quando a guarda é da mãe, ou vice-versa? Os pais divorciados podem ser afastados dos filhos por causa da pandemia do coronavírus?

Para o advogado Eduardo Corrêa, é importante colocar em primeiro lugar o bem estar das crianças e ter bom senso na hora do diálogo para mudanças que enquadrem a proteção dos filhos e a convivência com os pais.

“É necessário que os pais tenham bom senso para fazer as devidas adaptações no período de pandemia, porque o deslocamento dos filhos, o trânsito dos filhos não pode mais ser feito da mesma forma que se fazia antes, na possibilidade de um pai que pegava um filho três vezes por semana na escola e ficava consigo uma tarde. Com a pandemia isso tem que ter uma adaptação. Inclusive, porque as escolas fecharam”, ressalta.

Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) no Maranhão e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), ele cita saídas como uma alternância de tempo maior entre os pais e os canais virtuais de contato.

Corrêa alerta, entretanto, que caso haja um impedimento total do relacionamento de uma das partes com os filhos, pode ser um sinal de que um dos pais esteja se aproveitando da situação de vulnerabilidade da pandemia para promover a “alienação parental” – processo de manipulação psicológica de uma criança em relação ao pai ou mãe e/ou a outros membros da família para distanciamento e desconexão da relação familiar.

Nestas situações é necessária uma ação jurídica, assim como se não houver consenso em relação ao regime de convivência da guarda compartilhada durante a quarentena. O advogado enfatiza que o diálogo é sempre o melhor caminho.

“O direito de família no Brasil evoluiu bastante para deixar de ser o direito do pai e da mãe e passa a ser sobretudo o direito dos filhos. Então, pensão é um direito dos filhos, convivência com todos os parentes tanto dos pais quanto das mães é um direito dos filhos. Não é um direito do pai e da mãe somente, é o direito dos filhos, que está previsto na Constituição”, pontua.

Essa mudança de cultura, alternativas de guarda dos filhos, está relacionada também com a evolução da responsabilidade paterna no Brasil.

O advogado de direito da família faz um breve histórico desse processo, explicando as diferenças entre os tipos de guarda. Ele reitera que a pensão alimentícia, quantia fixada pelo juiz e a ser atendida pelo responsável, para manutenção das despesas dos filhos, é um direito permanente, seja na pandemia ou na guarda compartilhada comum.

Leia a entrevista completa de Eduardo Corrêa ao Brasil de Fato

O que é a guarda compartilhada? Por que existem mitos e ressalvas sobre esse “modelo”?

Inicialmente temos que fazer um pequeno histórico para entender um pouco do que seja a guarda compartilhada.

No Brasil, a tradição da década passada era da guarda unilateral. Como funcionava esse modelo? Um dos pais, geralmente a mãe, ficava com a guarda dos filhos e um outro genitor, geralmente o pai, ficava com a obrigação de pagar pensão alimentícia e um direito de convivência em determinados momentos, que o direito chama, aqui eu faço minhas críticas a essa denominação, “direito de visita”, porque nunca foi apenas uma visita, como um pai chegando na casa, visitando os filhos, dando um beijinho na testa e indo embora. O direito de visita é um direito de convivência em determinados momentos. E essa convivência geralmente era uma divisão de tempo, que geralmente se dava em finais de semana alternados, feriados alternados, festas, aniversários.

Todavia esse modelo trouxe uma série problemas, eu vou mencionar alguns, porque esses problemas são justamente o que a guarda compartilhada veio para ajustar, combater e evoluir.

Em primeiro lugar quando a guarda era somente de um dos genitores é que eu vou mais uma vez mencionar que o padrão era ficar filhos com a mãe, ela assumia uma responsabilidade muito grande. Ela era responsável pelas decisões, ela que ficava fazendo acompanhando de saúde, educação. Isso ficava muito cômodo para o pai, pelo menos para os pais que não queriam ter uma paternidade presente.

Ficava apenas pagando a pensão alimentícia, de vez em quando passeava com os filhos, ficava final de semana e tal, mas ficavam desencumbidos de uma responsabilidade parental, de ajudar no desenvolvimento do filho. Claro, eu não posso falar que isso era algo generalizado, muitos pais quiseram ter mais presença.

Outro problema, o genitor que ficava com a guarda se achava numa posição de “sócio majoritário” dos filhos tendo mais poder sobre os filhos. Isso fazia gradativamente com que houvesse de certa forma um afastamento do outro genitor em relação aos seus filhos. Esse afastamento ele foi também muito potencializado por algo não sabíamos denominar, mas que há muito tempo existe, chamado alienação parental que é um processo que um dos genitores ou a família desse genitor, busca por alguns meios afastar quebrar o vínculo afetivo e fazer com que o outro genitor perdesse aos poucos o seu poder de pai ou de mãe, a sua presença na vida do filho.

 E a guarda compartilhada ela veio exatamente para tentar ajustar essas situações e apesar de só chegar na legislação brasileira em 2008, na verdade desde a Constituição de 1988 já há uma plena igualdade no exercício do poder familiar entre os pais. O poder familiar é o que se chama hoje o antigo pátrio poder, ou seja, pai e mãe tem os mesmos poderes e os mesmos direitos sobre os filhos.

Essa guarda unilateral causava esses desajustes e uma certa disputa porque num processo judicial os filhos eram tidos como se fossem um prêmio um troféu a ser disputado e aquele que ganhava a guarda ficava com uma sensação de vitória. E na verdade não era vitória nem pra quem ganhava, porque ficava sobrecarregado de responsabilidades nem para o outro que perdia a convivência muito menos para os filhos que perdiam o direito, que é deles, de ter uma convivência com ambas as famílias, do pai e da mãe.

Então a guarda compartilhada veio para tentar dar um tempo de convivência mais equilibrado dentro das possibilidades de cada um dos pais. Não se prende aquela questão de só final de semana, pode ser que um pai possa, por exemplo, todo dia pegar os filhos na escola, em alguns dias pela tarde ou pela manhã ficar com os filhos é possível uma discussão mais flexível desse tempo de convivência.

Além disso a guarda compartilhada veio dividir responsabilidades e esse talvez seja o elemento mais importante. Ou seja, não pode mais um pai, que não tem a guarda, reclamar da mãe, ‘a culpa é sua por isso ou aquilo’.

Agora os dois têm responsabilidade de cuidar. As decisões pela guarda compartilhada em relação aos filhos têm que ser tomada pelos dois. Eles dividem os encargos, eles dividem, por exemplo, os cuidados com a saúde, educação, reuniões de escola. Isso veio um pouco mais de equilíbrio.

E também veio possibilitar que aqueles pais irresponsáveis, bastava o pagamento da pensão, ele já se achava pai, passasse a exercer de fato uma paternidade, porque eles tem agora não apenas direito de conviver com os filhos, eles tem deveres, obrigações que a guarda compartilhada impõe a esses pais.

Tem se mostrado um modelo bem avançado e quebrando os tabus e os mitos que existiam de que esse modelo não seria aceito, de que a cultura não se adaptaria. Claro que se adapta, é uma questão apenas do bom senso dos pais e esse modelo, como te falei, ele tem sido usado como padrão hoje a regra é guarda compartilhada. Somente em casos excepcionais que ainda se admite a guarda unilateral só para o pai ou só para mãe.

Há uma diferença entre guarda compartilhada e guarda alternada?

A guarda alternada em tese não está prevista no direito brasileiro, ela seria uma espécie de “guarda unilateral alternada”. Por exemplo, um filho ficaria dez dias com o pai e dez dias com a mãe, durante o tempo que fica com a mãe nesses dez dias. Ela que tem todos os poderes, durante o período que fica com o pai é ele que tem todos os poderes e tem toda a responsabilidade.

Essa guarda alternada causa um risco de rotinas bem complicado para os filhos e não tem sido uma guarda aceita com digamos tranquilidade pelo judiciário. O que acontece as vezes é por uma questão de acordo do casal em relação ao tempo que cada um pode ficar com filho, cada um fica uma semana, mas essa divisão de tempo não deve significar divisão de poderes. Durante a semana que está com um o outro tem a mesma responsabilidade, o outro deve ser informado de um problema de saúde, na escola para compartilhar responsabilidades, mesmo não estando o filho naquele momento digamos consigo, morando e ficando na sua casa.

No caso da guarda compartilhada ou alternada, os pais estão isentos de pagar pensão ou nos dois tipos de guarda há também este dever?

Muita gente procura o escritório e chega com a verdade ‘dizendo olha se a guarda é compartilhada, eu não tenho que pagar a pensão não é’. Não é bem assim, olha a guarda compartilhada ela traz como elemento novo um maior tempo de convivência para os dois pares. Nesse tempo, claro, que o filho ficando, por exemplo, com o pai uma semana ou com a mãe uma semana, ou então ficando durante os dias da semana.

É óbvio que vão ter despesas na casa de cada um que vão ter que se assumidos por aquele que está ali. Mas isso não exclui de forma nenhuma pagamento de pensão, por várias razões.

Existem despesas que independem de onde o filho esteja, se está na casa da mãe ou na casa do pai. As despesas com educação, fardamento, material escolar, práticas esportivas, alimentação, enfim, várias despesas que independem de onde o filho esteja.

Da mesma forma as despesas com saúde, plano de saúde e medicação, isso independe.

Então a guarda compartilhada não exclui de forma alguma a pensão alimentícia, pelo contrário, já existe um procedimento da jurisprudência brasileira os tribunais tem impedido, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já fechou questão. Mesmo que a guarda compartilhada seja estabelecida os filhos tem o direito a pensão, então é um mito que a gente tenta ao máximo desconstituir.

Com a pandemia e necessidade do isolamento social, como proteger as crianças e garantir que elas tenham contato com o pai e/ou a mãe de forma igual ou semelhante? O regime de convivência dos pais deve ser alterado?

Nós estamos vivendo ainda uma época de exceção absoluta. É um período extraordinário ninguém contava com isso. Então todos nós estamos nos adaptando a essa nova realidade, inclusive, em relação as demandas as ações nas áreas de família e aos problemas que são discutidos em relação a convivência entre pais e filhos.

É necessário que os pais tenham bom senso para fazer as devidas adaptações no período de pandemia, porque o deslocamento dos filhos, o trânsito dos filhos ele não pode mais ser feito da mesma forma que se fazia antes, na possibilidade de um pai que pegava um filho três vezes por semana na escola e ficava consigo uma tarde. Com a pandemia isso tem que ter uma adaptação. Inclusive, porque as escolas fecharam.

Esse trânsito ficou algo que entrou em choque com a régua do momento, fique em casa. Ora como ficar em casa com os pais querendo passar o tempo com o filho, de outra forma, como tirar dos pais esse direito de conviver com os filhos? Olha que situação paradoxal que nós tivemos que resolver.

Na maioria que eu tive contato, os pais num bom senso se resolveram. Alguns, inclusive, passaram a adotar uma alternância de tempo para evitar o vai e vem dos filhos três, quatro vezes por semana e muitos pais que ficaram na semana com o filho, dez dias com cada um.

Todavia, houve também uma série de problemas em relação a isso. Eu volto ao termo que a guarda compartilhada veio para combater, que é a alienação parental. Um pai que quer afastar um filho do outro genitor aproveita um período desse e coloca todos os obstáculos possíveis e inimagináveis para que o outro não tenha acesso ao seu filho. Não tenha contato com seu filho, que é uma possibilidade de prática de alienação parental.

Claro que tem os cuidados em relação a isso, mas também facilmente se combate esse tipo de alienação.

Hoje nós estamos vivendo um período de contato virtual, isso nunca esteve fora do contexto do contato dos filhos. Os pais com os filhos mesmo separados continuaram podendo ter acesso através de videochamada, telefonemas, etc. Agora quando isso é negado, com certeza, estamos diante de um sinal fortíssimo de alienação parental.

Os tribunais têm decidido de uma forma mais cautelosa durante esse período de pandemia as regras de convivência entre pais, então tem evitado que esse trânsito que esse deslocamento ocorra com a mesma frequência, mas tomando cuidado para não anular o direito de convivência do outro pai.

Mas tudo isso passa sobretudo pelo bom senso dos pais sem precisar buscar outras vias para isso.

E se não houver consenso, como proceder?

Bem, quando não houver um acordo, houver uma disputa realmente sobre como vai ficar a convivência.  Por exemplo, um pai tem mais cautela em relação ao translado dos filhos e o outro querendo que tudo fique tudo como antes sem levar em consideração o período excepcional. Quando a casos de alienação parental o jeito é buscar as medidas judiciais cabíveis.

Nós até tentamos no nosso escritório a metologia de tentar a mediação para evitar a levar ao judiciário, mas as vezes não tem jeito. As vezes nós temos que entrar com as ações pedindo que a justiça regulamente a situação. Detalhe durante esse período também funcionou de forma excepcional. A justiça brasileira como um todo está funcionando em uma espécie de plantão extraordinário.

Isso causou de certa forma apreensão em outras pessoas que buscaram mecanismos de solução de conflito através da justiça, mas o judiciário respondeu a contento. E buscou evitar que os atos de alienação parental fossem reproduzidos.

O judiciário também veio salvaguardar situações de convivência entre pais e filhos da forma mais segura garantindo-se o respeito as regras sanitárias, que foram estabelecidas pelas autoridades no período de pandemia. Nesse ponto acredito que não tivemos graves problemas em relação a isso. Houve uma certa acessibilidade dos juízes que trabalham na vara da família, ministério público, advogados que trabalham com o direito de família, de saber equilibrar essas situações dentro da excepcionalidade do período de pandemia.

Em relação a pensão alimentícia, nesse caso de mudança do regime devido a pandemia, ela deve continuar sendo paga? Como se deve proceder neste ponto?

Como eu falei antes guarda compartilhada, mudança de guarda não necessariamente altera o regime de pensão salvo situações previstas em lei e outras que podem justificar essa mudança.

Vou te dar um exemplo, o código civil diz que o pai que tem um filho morando consigo ele já assume despesas e o outro cujo o filho não mora tem que pagar outras despesas. É pensão tradicional. Se o filho mora com a mãe, ela já assume automaticamente algumas despesas e o pai tem que pagar a pensão.

Guarda compartilhada não significa compartilhamento de endereço. O filho continua tendo um endereço. Mesmo com a guarda compartilhada existe uma residência, um local onde lá na escola é tido como endereço do filho. É onde ele mora.

Mas é possível uma mudança numa situação dessa. Imagine a mãe que morava com os filhos que é médica e trabalha diretamente nos hospitais que tratavam pacientes com a covid-19. Muitos desses casos os filhos foram viver com o pai, que não tinha essa situação de risco de contaminação. Isso é mais do que prudente.

E como fica a pensão numa situação dessa? Nesse caso a pensão se inverte, a mãe que tem que ajudar o pai com as despesas que ele teve e tem de acréscimo, porque os filhos foram morar consigo.

Outra situação que pode fazer com que se mude a pensão, se diminua e, em casos excepcionais, até possa se excluir é que muitas pessoas ficaram sem ter condições financeiras por causa da pandemia, perderam sua renda. E como obrigar uma pessoa que não tem renda no mesmo patamar anterior? Fica complicado.

Essas situações merecem um pouco mais de atenção e uma necessária revisão, se for o caso. Para adaptar a pensão a renda que a pessoa tem hoje e as vezes nem renda tem.

Outro exemplo, uma pessoa que é um caso que eu tive, uma pessoa autônoma, pegou covid e está a mais de dois meses internada. Como que vai pagar a pensão? Não tem como pagar a pensão sem trabalhar.

A resposta que o direito brasileiro dá para a situação de quem não paga pensão é a prisão pelo não pagamento de pensão. Até isso no período da pandemia está sendo revisto. A ideia hoje é não prender no período da pandemia por falta de pagamento de pensão alimentícia.

Tem que se estudar cada caso, se o caso é não pagamento porque a pessoa não tem condições ou se é de não pagamento porque está se aproveitando disso para não pagar. Cada caso merece ser analisado para que chegue a uma conclusão, mas, com certeza, a regra geral continua vigorando. Mesmo na pandemia e na guarda compartilhada a pensão alimentícia tem que ser paga.

Fonte: Brasil de Fato

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