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Bem Paraná – Procura por testamentos cresce no Paraná, por ‘culpa’ da pandemia

Publicado em 10/05/2023

Durante a pandemia, número de óbitos no estado teve alta de 25% e o de testamentos registrados subiu 23%. Documento, contudo, ainda é um instrumento pouco utilizado

Nos últimos tempos, a palavra “luto” e as reflexões sobre a morte passaram a fazer parte do cotidiano dos paranaenses. Entre os anos de 2020 e 2022, 281 mil pessoas faleceram no estado, segundo informações do Portal da Transparência do Registro Civil, com mais de 47 mil óbitos diretamente relacionadas à pandemia de Covid-19. Trata-se de um aumento de 25,3% em relação às mortes ocorridas no triênio anterior (entre 2017 e 2019, com 225 mil), o que ajuda a explicar um fenômeno recente: o aumento na procura por testamentos.

O documento tem como intuito, justamente, permitir a uma pessoa dispor sobre a forma como se dará a distribuição de seu patrimônio após a morte, evitando desacordos familiares e disputas judiciais. Para tanto, o testador (aquele que faz testamento) deve ser civilmente capaz (16 anos completos ou mais e estar em plena saúde mental) e tem de respeitar a lei, a qual determina que metade do patrimônio deve ser dividido entre os herdeiros necessários (cônjuges e descendentes diretos – como filhos, netos e bisnetos-, e ascendentes – como pais, avós e bisavós), enquanto os outros 50% podem ser destinados livremente. Se não houver herdeiros necessários vivos, ele pode definir pelo testamento o destino de todo o patrimônio.

Entre 2020 e 2022, por exemplo, 8.298 testamentos foram registrados no Paraná, número que supera em 22,8% os 6.759 testamentos feitos entre 2017 e 2019. Os dados, levantados pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção Paraná, consideram os testamentos públicos (feitos no tabelionato de notas, na presença do tabelião e mais duas testemunhas), mas advogados relatam também ter havido um aumento nos testamentos particulares (feitos sem certificação em cartório e que precisa estar assinado por três testemunhas, que não podem ser herdeiras).

“A população fica mais preocupada [com a morte por causa da pandemia] e procura pesquisar o que pode fazer para organizar a sua vida, o que aconteceria na sua falta. Em regra geral, ainda são pessoas mais velhas [que fazem testamento], pessoas que estão com algum problema de saúde e por isso pensam mais nessa situação de sucessão e falecimento, mas está cada vez mais comum o público mais jovem também testar”, afirma Daniel Driessen Junior, presidente do CNB/PR.

Já o advogado Fabio Vieira, do escritório Vieira da Silva Advocacia, destaca também que, além da recente crise sanitária, outro fator que tem impactado essa procura é a repercussão sobre a morte de celebridades como o Pelé, o “Rei do Futebol”, e o apresentador Gugu Liberato. “Temos vistos muitos famosos partirem e deixarem testamento. Então começa a ter essa veiculação de notícias, o que leva todo mundo a indagar: ‘se eles fizeram, por que eu não posso fazer?’”, aponta.

Mas mesmo que a procura por testamentos tenha crescido, a utilização desse tipo de documento ainda está longe de se tornar algo comum. Desde 2009, por exemplo, o CNB/PR registrou pouco mais de 40 mil testamentos no estado, frente a uma população que já soma quase 12 milhões de pessoas.

“Ainda é um instituto subutilizado, especialmente frente às vantagens que ele oferece, os problemas que pode resolver”, comenta o tabelião. “A importãncia está na praticidade e na solução rápida para uma questão que vai ser enfrentada quando a pessoa que vai deixar os bens parte. A pessoa que partiu não pode ser consultada de como quer dispor o bem, mas dessa forma consegue definir como vai ser direcionado para evitar discussões, problemáticas judiciais, o desenrolar de uma demanda judicial de inventário”, reforça o advogado.

Quem pode, como deve e quanto custa fazer um documento deste?

Qualquer pessoa civilmente capaz pode fazer um testamento, que só passará a produzir efeitos a partir do falecimento do testador (e que ainda pode ser revogado ou alterado a qualquer momento pelo mesmo). A orientação de um advogado é importante, pois reduz a margem de erros para contestação e o profissional ainda pode aconselhar qual dos tipos de testamento seria mais adequado: o público (que deve ser feito no cartório de notas com a presença de um tabelião e duas testemunhas); o particular, (que não precisa ser feito no cartório, porém exige assinaturas de três testemunhas e, por não estar registrado legalmente, recomenda-se que seja deixado sob responsável de confiança); ou o testamento cerrado ou fechado (menos utilizado e que exige um ritual de confecção e abertura).

Importante ressaltar, ainda, que o testamento é sigiloso, sendo que apenas o tabelião e/ou as testemunhas ficam sabendo o que foi escrito e seu conteúdo só pode ser divulgado aos herdeiros depois que eles apresentarem a certidão de óbito do testador.

Mas afinal, quanto custa fazer a manifestação de vontade através do documento? No Paraná, o registro em cartório do documento custa em torno de R$ 700. Além disso, se o testador for auxiliado por um advogado (o que é recomendado), terá de gastar ainda com honorários advocatívios, o que pode elevar o gasto para em torno de R$ 4 mil. “Não é caro, perto de toda a problemática que pode causar o fato de não deixar definida a sucessão ainda em vida”, aponta Fabio Vieira.

Para além das questões patrimoniais

Embora os testamentos tratem promordialmente de questões patrimoniais, também é possível utilizar o documento para registrar outras vontades.

Por exemplo, é possível reconhecer ali um filho e incluí-lo na partilha de bens, indicar alguém para ser tutor de um filho menor de idade ou de um incapaz (indicação que será analisada por um juiz que levará em consideração a vontade do testador) ou ainda fazer uma cláusula de incomunicabilidade dos bens. Além disso, também não são raros os desabafos.

“É um pouco comum o testador até fazer um desabafo no testamento, fazer um pedido pros herdeiros continuarem com uma relação familiar coesa, respeitar mãe, madrasta, padrasto. Pode acontecer também o reconhecimento de filho socioafetivo ou até filho fora do casamento… Existe essa possibilidade de ter disposições não patrimoniais”, reforça Daniel Driessen Junior.

Já o advogado Fabio Vieira destaca que tem sido cada vez mais frequente que o testador disponha sobre seus animais de estimação na manifestação de vontade, citando inclusive um caso recente como o exemplo, o da escritora Nélida Piñon, que faleceu no ano passado, aos 85 anos, e deixou o apartamento dela no Rio de Janeiro como herança para seus dois cachorros. “No testamento ela deixou as cachorrinhas como beneficiárias do apartamento, estabeleceu que não poderiam vender o imóvel enquanto as cachorras estivessem vivas, para que os pets continuassem frequentando os mesmos lugares de sempre”, conta.

Testamentos registrados no Paraná, ano a ano

2023*: 868

2022: 2.835

2021: 2.894

2020: 2.609

2019: 2.284

2018: 2.217

2020: 2.270

* Dados até o final de abril

Fonte: CNB/PR

Fonte: Bem Paraná