O termo “Estremação” advém do vocábulo estremar, originado do latim extremus, cuja definição no “Vocabulário Jurídico” de Plácido e Silva é: “Terminologia jurídica com a significação de demarcar, dividir ou separar uma coisa da outra, de modo que as partes separadas sejam distinguidas”.
Assim, de maneira rasa, define-se a estremação a forma de circunscrever, com marcos divisórios, a propriedade dos condomínios de fato (com delimitação inter partes), sem que as partes necessitem recorrer ao Poder Judiciário, podendo, para tanto, valer-se do foro extrajudicial.
O uso desse instituto jurídico, pela sociedade, no âmbito do Estado do Paraná, foi recentemente admitido por meio do Provimento 276 da Corregedoria da Justiça.
A título introdutório desta pequena contribuição acerca da estremação, peço vênia para citar o artigo publicado pelo Desembargador Ricardo Dip (Reg 108 publicado no site da Arisp).
O precitado artigo inicia comparando o fólio real com as antigas defesas materiais que guardavam as propriedades privadas; prossegue mencionando que a matrícula “é ainda fonte de recolha e expressão da consciência individual e política de territorialidade…”. O doutrinador, posteriormente, faz uma analogia com a construção histórica da Confederação Suíça, que ele compara a “um mosaico de posses e dominações cujos limites eram de todos imprecisos…”. Conclui, na sequência, que “foi mesmo a progressiva demarcação desse território o que permitiu a afirmação dos direitos de seus possuidores e a formação da consciência de territorialidade que, aliada aos interesses comuns de proteção, permitiram o surgimento da grande nação Suíça”.
Mutatis mutandis, a despeito de os titulares dos “condomínios de fato” serem proprietários plenos do imóvel, tal propriedade restringe-se a uma quota abstrata que lhes cabe do bem, pois se inserem no chamado condomínio romano, ou seja, pro diviso. Essa espécie de condomínio existe quando um bem, no caso imóvel, pertence a mais de um indivíduo, cabendo a cada um deles uma parte ideal, sem especificação objetiva. e precisa de suas características.
Nessas espécies de condomínio, havendo consenso entre os condôminos, possibilita-se a utilização do instituto da estremação, que visa à regularização de cada parcela, por meio de escritura pública declaratória. É imperioso o destaque de cada área, individualizando-se pormenorizadamente a fração dos coproprietários, para que, nas palavras do Des. Ricardo Dip, na esfera patrimonial, “se possa saber o que é de um e o que é de outro”.
Ao instituto em comento aplica-se o artigo 571 do Código de Processo Civil de 2015 que dispõe: “A demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados”.
Todavia, como bem observado na obra Manual de Direito Condominial (ASSIS, O; KÜMPEL, V; PERES I, 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2016) deve ter-se em mente que “para não caracterizar transferência de propriedade imobiliária diversa daquela que fazia jus cada condômino, é vedada, para fins da extinção do condomínio, a divisão em frações ideais com dimensões diversas das frações ideais, ainda que seus valores econômicos sejam iguais”.
Sendo assim, havendo divergência na área a ser estremada, deverá antecipar-se a retificação da área.
O Instituto de Registro Imobiliário do Brasil apresentou ao Conselho Nacional de Justiça proposta de provimento, de autoria do eminente professor Lamana Paiva, para a regularização imobiliária.
Na proposta, citou-se o Projeto More Legal, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, para regularização do solo urbano, que, de forma vanguardista, contemplou a estremação.
Senão vejamos:
“A grande inovação trazida por esse provimento (art. 526-C) foi a possibilidade de regularizar parcelas de imóveis urbanos, registrados em condomínio, em situação pro diviso (a localizar), utilizando os procedimentos já consagrados no projeto “Gleba Legal”, ou seja, por meio de escritura pública declaratória na qual a estremação é realizada mediante a intervenção de todos os confrontantes da parcela a localizar, inclusive com possibilidade de retificação (art. 530 e seguintes) e posterior ingresso da escritura no Registro de Imóveis.”
A gênese da estremação, portanto, deu-se nos Projetos More Legal e Gleba Legal da Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, que inicialmente exigia intervenção judicial
O Projeto Gleba Legal foi instituído por meio do Provimento. 08/2005 da CGJ, que permitiu a regularização exclusivamente em âmbito extrajudicial.
O Estado de Minas Gerais, seguindo os passos do Rio Grande do Sul, previu, em seu Código de Normas, nos artigos 1.012 e seguintes, a possibilidade da estremação nos imóveis rurais, e, no artigo 999, dos imóveis urbanos.
Finalmente, por meio do hodierno Provimento 276 da Corregedoria da Justiça, o Estado do Paraná possibilitou a utilização da estremação e atribuiu aos serviços de notas a competência para a elaboração do instrumento a ser levado a registro no fólio real.
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SOBRE O AUTORMônica Dalla VecchiaMônica Maria Guimarães de Macedo Dalla Vecchia é Notaria e Registradora, Titular do Serviço Distrital do Boqueirão - Curitiba, Pós-Graduada em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas de Londrina, e em Direito Imobiliário pela Universidade Positivo de Curitiba. Foi eleita Presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Paraná para o biênio 2018-2010. |