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Artigo – Os avanços da adjudicação compulsória extrajudicial após o provimento 150/23 do CNJ

Publicado em 02/10/2023

No Direito brasileiro a assinatura de um contrato, por si só, não é capaz de transferir a propriedade de uma coisa. No caso de imóveis, para que a propriedade seja transferida será necessário o registro de determinado título junto à matrícula do bem para que, então, seja reconhecida pelo direito a transmissão da propriedade.

Dentro do rol de contratos relativos ao direito imobiliário, assume proeminência aquele da promessa de compra e venda, no qual uma das partes se obriga a pagar o preço e, outra, a outorgar escritura definitiva de compra e venda daquele imóvel objeto do negócio quando a obrigação da parte contrária estiver satisfeita.

Voluntariamente ou não, nem sempre as partes cumprem com suas obrigações. Assim como o promitente adquirente pode não vir a realizar todos os pagamentos, pode ocorrer do promitente vendedor deixar de outorgar a escritura de compra e venda definitiva do imóvel.

O foco deste breve estudo será a segunda parte da frase acima exposta, isto é, a eventual não outorga da escritura de compra e venda do imóvel objeto daquele contrato preliminar de promessa de compra e venda.

A consequência mais comum a este inadimplemento, que na maioria dos casos decorre da parte que está a prometer a venda do bem, é a necessidade de uma adjudicação1 compulsória.

A adjudicação compulsória é um instrumento originalmente utilizado pelo direito com o objetivo de transferir, via decisão judicial, um bem de um proprietário a quem de direito, independente da vontade daquele primeiro.

Neste sentido, dispõe o art. 1.418 do Código Civil de 2002 que uma vez existindo registro de uma promessa de compra e venda, estando quitado o preço e cumpridas as obrigações pelo promitente adquirente, lhe cabe, em caso de recusa do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva de compra e venda, o direito à adjudicação compulsória do imóvel.

Muito já se debateu acerca do art. 1.418 do Código Civil de 2002 e a imprescindibilidade de se ter uma promessa de compra e venda registrada junto à matrícula do imóvel para que se pudesse obter o direito à adjudicação compulsória. Tal tema, contudo, esgotou-se com a edição da Súmula 239 do STJ, posteriormente ratificada pelo Enunciado 95 da I Jornada de Direito Civil que assim dispôs: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

A matéria assumiu novos contornos quando a lei 14.382/2022 criou o instituto da adjudicação compulsória extrajudicial e incluiu o art. 216-B na Lei 6.015/73.  Com isso foi criada a possibilidade de realizar-se a transferência forçada da propriedade, após quitado o preço da promessa de compra e venda, sem a necessidade de ser a promessa de compra e venda registrada junto à matrícula imobiliária ou mesmo de recorrer-se ao Poder Judiciário.

Como todo procedimento extrajudicial, para que se possa a adjudicação ser feita fora do âmbito judicial dispôs a Lei 14.382/2002 que, em primeiro lugar, não poderá existir litígio sobre o direito perseguido pelo promitente comprador.

Além disso, exigiu o legislador que para a adjudicação compulsória fossem trazidos: i) instrumento da promessa de compra e venda, de cessão ou sucessão; ii) prova do inadimplemento do promitente vendedor que não celebra a escritura de compra e venda após ser notificado pelo cartório de registro de imóveis dentro de 15 dias; iii) ata notarial celebrada por tabelião que conste a identificação do imóvel, dados do promitente comprador, prova do pagamento do preço e caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar a escritura pública de compra e venda; iv) certidões que demonstrem que inexiste litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda objeto da adjudicação; e v) comprovante de pagamento do ITBI.

É bem verdade que a nova modalidade de adjudicação compulsória criado pela lei 14.382/2022 tem como escopo facilitar a transmissão da propriedade de bens imóveis para aqueles adquirentes adimplentes que, por qualquer razão, não conseguiram viabilizar a formalização de uma escritura de compra e venda para si.

Ocorre que após a edição da supramencionada lei federal verificou-se alguns pontos que poderiam ser interpretados de forma divergente entre registros imobiliários e tabelionatos. Dentre os principais, cito a notificação para constituição do promitente vendedor em mora e a prova do efetivo pagamento do preço por parte do promitente comprador.

A título exemplificativo, considerada apenas a regra insculpida no art. 216-B da lei 6.015/73 seria possível compreender que para realizar-se o procedimento precisava o promitente comprador: i) solicitar que o registro de imóveis realizasse a prévia notificação do promitente comprador; ii) certificada a mora pelo registrador, comparecer ao tabelionato para a lavratura da ata notarial; iii) com a ata notarial, retornar ao registro de imóveis para finalizar aquele procedimento outrora iniciado.

Para sanar estas divergências de interpretação e impor uma conduta unificada nacional, o CNJ editou o Provimento 150, de 11 de setembro de 2023 que visa padronizar o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial no país.

Muito bem elaborado, o Provimento estabelece uma ordem para a realização do procedimento e organiza uma série de questões intrínsecas ao direito notarial e registral. Dentro deste trabalho, verifica-se que foi dada atenção e apresentada solução para aqueles dois pontos principais que poderiam ser interpretados de forma divergente pelos registros imobiliários e tabelionatos: notificação para constituição do promitente vendedor em mora e a prova do efetivo pagamento do preço por parte do promitente comprador.

Para a primeira situação, esclareceu o Provimento 150/2023 do CNJ que o inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade previsto no art. 216-B, §1º, III, da lei 6.015/73 não é aquela que consta no inciso II e que deve ser realizada pelo registro imobiliário.

Diz-se isso porque ao se observar o que dispõe o art. 440-G, IV, do mencionado Provimento, vê-se que o inadimplemento que deve constar na ata notarial é aquela voltada às providências que deveriam ter sido tomadas pelo requerido do procedimento para a transmissão da propriedade e foram inadimplidas.

Assim, tem-se que já por esta razão de extrema utilidade o Provimento porque explica e demonstram a diferença entre o inadimplemento previsto no art. 216-B, §1º, II daquele previsto no art. 216-B, §1º, III, ambos da lei 6.015/73.

Por sua vez, para a segunda situação tida como de possível controversa, possível observar que foi muito feliz o Provimento 150/2023, em seu art. 440-G, §6º, incisos I a VII, ao trazer itens exemplificativos daquilo que pode servir como prova da quitação do preço.

Dentre estes exemplos trazidos pelo Provimento, chamam atenção os incisos II e VII, que afirmam que poderiam ser utilizados como prova de quitação tanto mensagens eletrônicas em que se reconheça que o pagamento foi efetuado, como a notificação extrajudicial destinada à constituição em mora da parte contrária.

Trata-se de relevante e moderna possibilidade conferida às partes envolvidas na promessa de compra e venda porque, salvo melhor juízo, viabiliza a comprovação quitação de forma célere e simplificada quando, por exemplo, um contratante notifica o outro para que aquele lhe outorgue a quitação e permanece a parte contrária inerte.

Em linhas gerais, de forma expressa o Provimento 150/2023 do CNJ relembra que a manifestação de vontade pode ser exarada de variadas maneiras, inclusive o silêncio, e que não exige forma ou formato específico.

Com estes exemplos de quitação entregues à comunidade jurídica, o CNJ alinha-se aos caros princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato. O primeiro porque induz um comportamento leal e diligente de ambas as partes; já o segundo porque faz com que o contrato seja capaz de transmitir a propriedade e com isso produza todos aqueles efeitos para o qual foi formalizado.

Desta forma, possível concluir que a adjudicação compulsória extrajudicial, editada pela Lei 14.382/22 muito contribui tanto para a celeridade e efetivação dos contratos de promessa de compra e venda, como para a desobstrução do Poder Judiciário, já que viabiliza a solução de questões não litigiosas pela via extrajudicial.

Ao mesmo tempo, necessário registrar que além de ser de grande valia por fornecer um caminho padronizado dentro do direito notarial e registral para a adjudicação compulsória extrajudicial, o Provimento 150 de 11 de setembro de 2023 do CNJ presenteia o direito civil com uma espécie de releitura dos princípios contratuais da boa-fé e da função social ao incutir de forma expressa formas de interpretação de atos jurídicos praticados pelos contratantes.

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1. Adjudicar é palavra de origem latina formada pelo prefixo ad, cujo sentido é de “trazer para si”, e a palavra judicare, que traz a lógica de haver uma decisão ou envolvimento judicial. Possível seria dizer, portanto, que adjudicar é trazer algo para si por meio de uma decisão judicial. 

Felipe Probst Werner: Mestre pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Doutor em Direito Civil pela PUC/SP. Pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela UFSC. Advogado e professor. Associado do IBDCont.

FONTE: Migalhas