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Artigo – Nova lei facilita divórcio e separação para vítima de violência doméstica – Por José Roberto Mello Porto

Publicado em 31/10/2019

Publicada no dia 29 de outubro de 2019, a Lei 13.894/19 traz alterações na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) e no Código de Processo Civil, com a clara intenção de facilitar a dissolução da sociedade conjugal de que faça parte vítima de violência doméstica. São modificações bastante práticas e relevantes.

A primeira novidade diz respeito à informação da existência e, em havendo interesse, ao encaminhamento da vítima, pela autoridade policial e pelo juiz, ao serviço de assistência judiciária, com vistas a ajuizar ação de divórcio, separação judicial, anulação de casamento ou extinção de união estável (artigos 11, V, 9º, parágrafo 2º, III, e 18, II, da Lei 13.340/06, respectivamente).

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável.

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

  • 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

III – encaminhamento à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para o ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.

Cabe, aqui, relembrar que a assistência jurídica integral e gratuita é direito fundamental assegurado pelo artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal. Aí, naturalmente, está incluída a assistência judiciária, ao lado de toda orientação jurídica e promoção de atividades extrajudiciais, consensuais ou não.

Trata-se de incumbência típica da Defensoria Pública (artigo 134 da Constituição), apesar de, mormente quando instalada de forma insuficiente em determinada localidade, complementada pela advocacia dativa e, independentemente de carência estrutural, pela advocacia pro bono. Parece, contudo, que o legislador quis dizer que será cientificada a vítima da violência acerca da disponibilização, pelo Estado, de serviço apto a promover o pedido de separação (em sentido amplo), consistente na atuação defensorial.

Além disso, em que pese a menção à atribuição do magistrado — para encaminhar a vítima —, é plenamente possível e recomendável que também a autoridade policial e sua equipe de atendimento prontamente anunciem essa via aberta, como previsto no artigo 11, mas também elucidem como proceder até o órgão de atuação com atribuição.

Esse estímulo administrativo, embora elogiável no tocante à educação em direitos, não pode ser lido de forma isolada. Pretender que a solução para a violência doméstica, verdadeira mazela social que deságua no Judiciário em níveis metonímicos, passe por ajuizamento de ações de dissolução de vínculos de inopino é impensável. Necessita-se garantir, mais do que nunca, o apoio psicossocial esperado pelo legislador para tais vítimas, permitindo uma reflexão profunda a respeito de passo tão decisivo.

Quanto a essas demandas, o Legislativo pretendia alterar sua competência originária de juízo, importando-as para os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, salvo no tocante à partilha de bens. Felizmente, sobreveio veto presidencial nesse ponto, tendo sido percebido que a sobrecarga de trabalho desnaturaria, por completo, a natureza de tais órgãos judiciários, essencialmente voltados à apuração criminal[1].

Para além disso, foi alterado o diploma processual geral, em três pontos.

O primeiro diz respeito à competência territorial para as ações objeto da lei (divórcio, separação judicial, anulação de casamento e extinção de união estável). Surge uma quarta alínea no primeiro inciso no artigo 53, prevendo a competência do foro do domicílio da vítima de violência doméstica e familiar.

Art. 53. É competente o foro:

I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

  1. a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
  2. b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
  3. c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
  4. d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Curioso é que, quanto aos incisos anteriores, a doutrina entende se tratar de foros subsidiários – posição consagrada no enunciado 108 da II Jornada de Direito Processual Civil do CJF/STJ[2]. Agora, aparece uma última possibilidade que não pode guardar elo com as outras, sob pena de se tornar inútil.

Há um conflito entre a prioridade de tutela dos interesses dos filhos incapazes e de proteção da vítima de violência doméstica, quando mulher, ante a remissão à Lei 11.340/06. Duas são as conclusões possíveis: ou o novo inciso é prioritária em relação a todos os demais, impondo ser lido como se fosse o novo inciso “a”, ou foi criado um foro alternativo, à escolha da mulher vítima de violência. Na prática, a solução será a mesma: em querendo, a ação correrá em seu domicílio; caso contrário, mantém-se a hierarquia já existente.

Prossegue o legislador criando hipótese de atuação compulsória do Ministério Público, nas ações de família.

Art. 698. Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo.

Parágrafo único. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Na redação originária, o parquet apenas interviria quando existisse interesse de incapaz, algo acidental nas ações de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, mas frequente nas demandas de guarda, visitação, filiação e alimentos – rol legalmente estatuído de ações de família[3]. Doravante, o Ministério Público se fará presente como fiscal, quando a vítima de violência doméstica for parte processual.

Por fim, a nova norma modifica o Código Fux, passando a prever prioridade na tramitação de processos em que for parte vítima de violência doméstica e familiar.

Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:

III – em que figure como parte a vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Uma leitura seca desses dois últimos comandos soa incompatível com a própria Lei 13.894/19, indicando que a maior celeridade na tramitação e a atuação ministerial não se limitariam às ações de divórcio, anulação de casamento, separação e extinção de união estável.

É questionável, porém, a constitucionalidade dessa interpretação, ferindo-se a isonomia formal sem sustentáculo substancial. Naturalmente, é justo que a vítima de violência praticada por quem menos se espera receba resposta jurisdicional de maneira abreviada quanto a aspectos causais desses danos, bem como que receba o reforço processual advindo da presença do Ministério Público. Quanto a outras demandas, sem relação com tal circunstância, como demais pretensões cíveis e consumeristas, esvazia-se o fundamento proporcional e razoável da diferenciação.

[1] Ouvidos, os Ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos manifestaram-se pelo veto aos seguintes dispositivos:

Caput e parágrafos 1° e 2º do artigo 14-A da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, inseridos pelo artigo 1º do projeto de lei

“Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

  • 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.
  • 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver.”

Razões do veto

“Os dispositivos propostos, ao permitirem e regularem a possibilidade da propositura de ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, guardam incompatibilidade com o objetivo desses Juizados, especialmente no que tange à ágil tramitação das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Portanto, a alteração proposta é contrária ao interesse público, pois compromete alguns dos princípios que regem a atuação desses juizados, tais como a celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, tendo em vista os inúmeros desdobramentos naturais às ações de Direito de Família.”

[2] Enunciado 108: A competência prevista nas alíneas do art. 53, I, do CPC não é de foros concorrentes, mas de foros subsidiários.

[3] Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.

Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo.

*José Roberto Mello Porto é defensor público do Rio de Janeiro, presidente da Comissão de Estudos em Processo Civil da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, doutorando e mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Fonte: ConJur