O PL 1179 tornou-se a lei 14.010, que, conforme o artigo 1º, “intitui normas de caráter transitório e emergencial” até 30/10/2020
No século passado, já dizia Rui Barbosa, advogado, jornalista, jurista, político, diplomata, ensaísta e orador, que “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.
Esta conhecida frase nos faz refletir sobre o princípio da celeridade, previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, tão antagônico à morosidade do Congresso Nacional e do Judiciário antes da pandemia do coronavírus: Sim, alguns projetos de lei levaram anos para serem discutidos, votados, sancionados; processos com sentenças após “décadas” de sua distribuição.
Mas, de repente, aparece, como num passe de mágicas, um vírus que deixa toda a humanidade em pânico, e celeremente decisões começam a ser tomadas em prol da coletividade pelo bem maior: a saúde, a vida.
No âmbito condominial, síndicos são obrigados a tomarem decisões amparados no artigo 1348, II, do Código Civil, que prevê sua responsabilidade de “representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em Juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns”. Restringiram a utilização de espaços comuns, como piscina, academia, salão de festas, churrasqueiras, quadra de esportes.
Entretanto, esta restrição, por si só, não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro (Constituição Federal, leis, convenções, decretos, resoluções). Os atos dos síndicos foram protegidos, principalmente, pela previsão legal de responsabilidade por praticar atos com o escopo de prevenir o interesse comum da comunidade condominial e, caso não agissem, haveria também previsão legal no artigo 268, do Código Penal, para puni-los.
Após, decretos mais pontuais foram sendo publicados pelas unidades federativas. E, a galope, na tentativa de amenizar os efeitos dessa situação sem precedentes modernos, o Congresso Nacional cria o Regime Jurídico Emergencial Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), PL 1179, de autoria do senador Antonio Anastásia.
O PL contemplou diversas matérias no âmbito privado e, no capítulo VIII, regras para os condomínios edilícios. Supõe-se que o objetivo era que as decisões tomadas pelos síndicos fossem amparadas por lei específica, ampliando, no artigo 11, os poderes já previstos no artigo 1348, do CC, em caráter emergencial até 30 de outubro de 2020. In verbis, veja:
I – restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação pelo coronavírus (covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos;
II – restringir ou proibir a realização de reuniões e festividades e o uso dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do coronavírus (covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade.
Parágrafo único – Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou realização de benfeitorias necessárias.
Contudo, ao ser sancionada a lei 14.010/2020, o artigo que tinha o intuito exclusivo de evitar a propagação do coronavírus (covid-19), restringindo/proibindo as áreas comuns, festividades, reuniões, uma vez que haveria aglomeração de pessoas, foi vetado.
Mas, este veto não retira dos síndicos o amparo legal na Constituição Federal, em Leis Federais, decretos Estaduais/ Distritais para manterem o isolamento social e o fechamento de áreas, como academia por exemplo. Percebe-se que, justamente por isso, algumas unidades da Federação estão publicando decretos no intuito de reabrirem estas áreas.
Outra novidade deste PL, artigo 12, é a possibilidade de serem feitas assembleias virtuais em caráter emergencial, até 30/10/2020. Talvez este seja o ponto mais controvertido no meio jurídico. Isso, pois, a maioria das convenções condominiais não tem esta previsão expressa.
Legalmente, o tema da assembleia pode ser qualquer um, inclusive os previstos nos artigos 1349 e 1350 do Código Civil:
Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2º do artigo antecedente (§ 2º – O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.), poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.
Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assemblaia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.
Várias já são as empresas que estão oferecendo comercialmente aplicativos de assembleias virtuais aos condomínios, mas a lei não prevê a obrigatoriedade de se ter um sistema exclusivo para as assembleias virtuais. Virtual pode ser, inclusive, pelo WhatsApp, e a manifestação de vontade do condômino, para efeitos jurídicos, é equiparada à sua assinatura presencial.
Contudo, assim como na assembleia presencial, a virtual deve seguir o procedimento de notificação da assembleia para todos os condôminos, com a confirmação de que todos receberam. Após, para também evitar nulidades, é interessante o condômino que irá presidir a assembleia ter cópia de todas as mensagens trocadas ou um relatório e levar ao cartório para que o tabelião redija uma ata notarial da assembleia virtual. Este documento, arquivado juntamente com cópia do relatório, é prova da validade da assembleia.
Uma sugestão para confirmar o voto do condômino seria a realização de assembleia híbrida: todas as discussões e apresentações de candidatos de forma virtual, e a votação e assinatura presenciais, dependendo da importância das decisões. Esta pode ser uma sugestão para aqueles condomínios que tenham um grande número de condôminos mais idosos, sem muita intimidade com o virtual.
A realidade das assembleias virtuais, com o sem a lei 14.010/2020, será permanente. O importante é seguir um rito que evite posteriores nulidades.
Quanto aos mandatos de síndicos vencidos a partir de 20/3/2020, caso não haja a possibilidade de executarem a assembleia conforme a previsão no caput do artigo 12, a lei o prorroga automaticamente até 30 de outubro de 2020.
Vale frisar que esta lei prevê que de todos os atos de administração praticados pelos síndicos devem ser prestadas contas. Caso haja omissão nesta prestação de contas, o síndico, por força do artigo 13, poderá ser destituído de seu cargo, sendo responsabilizado cível e criminalmente.
O PL 1179 tornou-se a lei 14.010, que, conforme o artigo 1º, “intitui normas de caráter transitório e emergencial” até 30/10/2020.
Fonte: Migalhas
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