Com frequência são levadas demandas ao Poder Judiciário tendo como objeto do litígio relações jurídicas vindas de uma união estável. Esta forma de constituição de família tem semelhanças com o casamento, mas com este não se confunde, notadamente no formalismo exigido pela legislação. Essa simplicidade várias vezes causa ferrenhas disputas que poderiam ter sido evitadas se o casal, desde o início, tivesse uma preocupação de tornar mais claro esse vínculo familiar.
Embora a legislação brasileira há algumas décadas se refira à união estável, essa forma de constituição de família ainda causa controvérsias e dificuldades de compreensão do seu alcance. Ela resulta de um vínculo afetivo que, da mesma forma como o casamento e outros relacionamentos, produz consequências jurídicas e, portanto, precisa receber especial atenção das pessoas.
Reconhecendo-a como entidade familiar, o artigo 1.723 do Código Civil estabelece que se configura união estável quando o casal tem uma convivência pública, duradoura, contínua e com o objetivo de constituir família. Da leitura desses requisitos nota-se o pouco apego a formalidades ou elementos incontestes, ao contrário do que ocorre com o casamento, que apresenta clareza em sua celebração e é facilmente provado por uma certidão. A ideia é exatamente essa, dar amparo legal a relacionamentos afetivos cuja instrumentalização jurídica não seja revestida de maiores solenidades.
Se, por um lado, o casal tem bastante liberdade para dar início a essa família, por outro, os requisitos legais às vezes não são tão fáceis de serem identificados, podendo implicar longas disputas judiciais. Haveria, por exemplo, um tempo mínimo para se considerar caracterizada a união estável? O que seria o objetivo de constituir família? Um namoro longo já traria consequências para o Direito de Família?
Com a intenção de demonstrar a união estável, inclusive estabelecendo o regime patrimonial do casal, podem ser feitos contratos tornando claro o propósito de relacionamento afetivo mais sólido. Em sentido contrário, há casais que, não pretendendo que seja configurada a união estável, optam por firmar o chamado “contrato de namoro”, pelo qual sustentam ainda inexistir a intenção de constituir família. Tais pactos são úteis como meios de prova, embora esta não seja inequívoca, podendo ser discutida no Poder Judiciário.
Há situações que, apesar de não serem requisitos legais para a constituição da união estável, podem influenciar bastante a decisão do Juiz. Um exemplo é a coabitação pelo casal, que, mesmo não sendo exigida, é significativo indício de relacionamento afetivo. O mesmo pode ser dito quanto ao nascimento de filhos ou, no aspecto patrimonial, se o casal tiver bens em comum ou aplicações financeiras. Em se tratando de união estável, cuja informalidade é frequente, todos os detalhes podem ser úteis para o deslinde de uma controvérsia.
No dia a dia se observa que os maiores problemas surgem exatamente após o final da união, quer seja pela vontade de um dos conviventes ou em razão de falecimento. A partir desse momento, interesses podem ser contrariados e a demonstração da verdade se transforma em tarefa árdua. Assim, é muito importante que o casal tome cautelas no sentido de deixar bem demonstrada a união estável, ou a sua inexistência, inibindo longas e desgastantes ações judiciais.
*Marco Antonio dos Anjos, Doutor em Direito pela USP e professor de Direito Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas.
Fonte: Jornal Contábil
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