Resumo: A usucapião é uma das formas de aquisição de propriedade e de outros direitos reais que pode ser realizado pela via administrativa ou judicial. O instituto da usucapião extrajudicial é recente no direito brasileiro, diante disso faz-se necessário analisar sua efetividade. Tal surgiu a partir da busca da desjudicialização do instituto. O processo de desjudicialização emerge no cenário jurídico nacional como uma possível solução para o caos no judiciário, gerado pela grande quantidade de processos. Por esse motivo, a utilização das serventias extrajudiciais popossibilitam que o Judiciário se ocupe com as questões que efetivamente justifiquem sua atuação.
Palavras-Chave: Usucapião, extrajudicial, desjudicialização.
Introdução
A Usucapião, de modo geral, é um modo de aquisição da propriedade móvel ou imóvel que se dá mediante a posse prolongada da coisa, desde que atendidos os requisitos legais. Tal matéria é disciplinada no Código Civil que contempla as respectivas modalidades e requisitos necessários para que seja possível usucapir o bem pretendido.
Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a aquisição da propriedade mediante usucapião se dava apenas por meio da ação de usucapião, prevista no referido diploma nos artigos 941 a 945.
Entretanto, para o atual Código de Processo Civil verifica-se a possibilidade da desjudicialização de tais procedimentos, direcionando para a via administrativa aqueles de menor complexidade, dentre eles, a aquisição pela usucapião.
Nesse contexto, introduziu-se o instituto da usucapião extrajudicial (ou administrativo) através do artigo 1.071 do CPC/2015, alterando a Lei de Registros Públicos mediante inclusão do artigo 216-A em seu texto. Tornando-se possível a tramitação desse procedimento de aquisição da propriedade imobiliária através do Registro de Imóveis de onde está situado o imóvel usucapiendo.
O instituto da usucapião extrajudicial é recente no direito brasileiro. A novidade já se espalha por todo lugar, contudo não se sabe se o novo instituto é efetivo.
A Usucapião extrajudicial trata-se de meio extrajudicial para resolução de processos dessa alçada e torná-los mais simplificados, de maneira a contribuir na regularização fundiária.
O objetivo central deste trabalho é o estudo do instituto da usucapião e análise acerca da efetividade do seu procedimento extrajudicial, com as alterações sofridas a partir da edição da Lei de nº. 13.465/2017.
Faz-se necessário analisar o procedimento da usucapião extraordinária, uma vez que existe a necessidade da concordância expressa dos confinantes e dos antigos proprietários do imóvel objeto da usucapião extrajudicial na planta e memorial descritivo, documentos exigidos pela lei para o andamento do procedimento, o que foi alterado pela lei 13.838/19.
A situação apresentada é que com a edição da Lei de nº. 13.465/2017 o procedimento extrajudicial da usucapião ganhará efetividade prática e passará a ser uma realidade para as partes interessadas.
Para a realização do presente trabalho, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, uma vez que uma temática geral, no caso a usucapião, vai de encontro a uma temática específica. Procedimentalmente serão adotados os métodos monográfico, por tratar o desmembramento do assunto, e histórico, observando como se deu a evolução da dinâmica do instituto da usucapião. Quanto às técnicas de pesquisa, utilizou-se a técnica bibliográfica, a partir da análise de material preexistente sobre as temáticas abordadas.
Para tanto, será estudado inicialmente o princípio da propriedade, buscando compreender sua função social, assim, após a contextualização do referido princípio, apresenta-se necessário o estudo específico da evolução do instituto da usucapião no Brasil. Posteriormente, de forma mais detida, será analisado o fenômeno da usucapião extrajudicial, buscando compreender seus requisitos e procedimentos.
Busca-se, assim, demonstrar as possíveis repercussões que o usucapião administrativa no ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível, inicialmente, abordar como a usucapião pode contribuir com a materialização do princípio da função social da propriedade.
Direito de propriedade e função social
O Direito das coisas é um ramo do direito privado que regula os direitos de posse e propriedade dos bens móveis e imóveis, bem como as formas de aquisição desses direitos.
O direito de propriedade tem relevante destaque no ordenamento jurídico brasileiro. Diversos doutrinadores, dentre eles Orlando Gomes é enfático ao dizer que “o direito real de propriedade é o mais amplo dos direitos reais” (GOMES, 2012, p. 103). Por sua vez, Carlos Roberto Gonçalves afirma que “trata-se do mais completo dos direitos subjetivos, a matriz dos direitos reais e o núcleo do direito das coisas” (GONÇAVEZ. 2014, p. 67).
O estudo jurídico da propriedade surge diante da necessidade humana de apropriar-se de bens. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenveld (FARIAS E ROSENVALD, 2015) asseveram que a necessidade do indivíduo de satisfazer suas necessidades vitais através da apropriação de bens pode ser verificada desde os primórdios da humanidade, quando o homem deixa de pertencer a terra e a terra passa a pertencer ao homem.
Orlando Gomes (GOMES, 2012) divide o conceito de propriedade em três critérios: o sintético, como sendo a submissão de uma coisa a uma pessoa; o analítico, que seria o direito de usar, fruir e dispor de um bem, e reavê-lo de quem injustamente o possua; e o descritivo, no sentido de ser um direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, considerando a submissão da coisa à vontade de uma pessoa com as limitações legais.
O direito de propriedade é direito subjetivo fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, protegido e resguardado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, positivado no art. 5º, XXII, e também no art. 1228 do Código Civil, assegura ao proprietário “o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (FARIAS E ROSENVALD, 2015) afirmam que a propriedade tem como função individual garantir a autonomia privada do ser humano e o desenvolvimento de sua personalidade, haja vista que os direitos reais são outorgados a uma pessoa com fins de realização pessoal da posição de vantagem capazes de exercer sobre a coisa.
Caio Mário (PEREIRA, 2012) entende que os bens não são dados ao homem para que sejam extraídos ao máximo e com o sacrifício dos demais, mas sim para que sejam utilizados na medida em que possam preencher a sua função social. Por esse motivo, defende-se que há de se ter um limite no direito de propriedade, visando o cumprimento de certos deveres e o desempenho da tal função.
O art. 1.231 do Código Civil preceitua que “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”. Logo, pode-se afirmar que propriedade não pode simplesmente se extinguir pelo não uso, devendo ser observado a princípio da função social.
O princípio constitucional da função social encabeça a principal restrição ao direito de propriedade nos dias atuais, de modo que se apresenta extremamente relevante seu estudo.
A própria CRFB/88, no art. 5º, XXIII, art. 182, § 2º e art. 186, se encarrega de indicar como a função social da propriedade será cumprida.
No que tange a função social da propriedade rural, esta será cumprida quando atender, simultaneamente, os critérios estabelecidos no art. 186, quais sejam: (I) aproveitamento racional e adequado, (II) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, (III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho, (IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
No caso da propriedade urbana, o cumprimento da função social estará vinculado ao atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, conforme preceitua o art. 182, §2º.
Nesse diapasão, ensina Marcelo Lessa da Silva (SILVA, 2016) que a função social é um mecanismo de imposição de comprometimentos positivos em benefício da coletividade, não se limitando a ser um princípio limitador dos direitos de usar, gozar e dispor do bem.
Logo, podemos concluir que a inércia do proprietário que não destina o bem a cumprir sua função social, ou ainda, que se aproveita da sua propriedade para cometer atos ilícitos, será passível de reprovação pelo ordenamento jurídico.
Para Sílvio de Salvo Venosa, “a proteção àquele que se utiliza validamente da coisa nada mais é do que revigoramento da usucapião” (VENOSA, 2010, p. 173), pois o proprietário tem a obrigação de aproveitar seus bens e explorá-los, tornando a propriedade operativa, realizando seu dever social.
Desse modo, o instituto da usucapião é cabível em certos casos em que se encontram presentes o não uso da coisa, associado ao princípio da função social, ocasionando a perda do direito subjetivo da propriedade por parte daquele titular negligente.
O instituto da usucapião
O instituto da usucapião apresenta-se como um dos modos de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, ao lado de outras formas como a acessão, transcrição, sucessão, desapropriação, casamento pela comunhão universal, entre outros que se encontram dispostos no Código Civil.
Resumidamente, usucapião de imóvel é o meio de aquisição da propriedade pela posse estendida, após tempo determinado em lei e observados os requisitos legais. Segundo Arnoldo Wald:
O usucapião surgiu no direito romano a fim de proteger a posse do adquirente imperfeito, que recebera a coisa sem as solenidades necessárias, de acordo com a legislação então vigente. Trata-se, na realidade, de uma derrogação à perpetuidade do domínio, em virtude da qual o possuidor, decorrido certo prazo, torna-se proprietário (WALD, 2009, p. 192).
Percebe-se que o objetivo da usucapião é a modificação da situação jurídica de que detém a posse prolongada e preenche os pressupostos necessários, transformando-a em propriedade. Dado que, não seria justo não reconhecer a propriedade e o direito a uso e gozo do imóvel àquele que cuidou, tornou-o sua habitacional ou produziu por longo espaço de tempo – sem oposição (VENOSA, 2002, p, 190).
É necessário, preliminarmente, estudar o que se entende por posse ad usucapionem¹. A posse ad usucapionem é aquela que preenche os requisitos necessários para poder-se valer da usucapião para a aquisição da propriedade (além dos demais requisitos formais). Por isso, compreende-se como posse ad usucapionem aquela que possui as seguintes características: é justa, mansa e pacífica, contínua e ininterrupta e, com animus domini² do possuidor.
A posse justa é aquela cuja aquisição que se deu conforme a legislação, isto é, não apresenta violência, clandestinidade ou precariedade, conforme ensina Orlando Gomes (GOMES, 2008), devendo a posse justa também ser pública e contínua.
Como mansa e pacífica, considera-se aquela posse exercida sem contestação do efetivo proprietário do bem.
O animus domini consiste na intenção de possuir como se dono fosse, desde o momento em que se assenta no bem. Conforme ensina, Maria Helena Diniz:
1 – a posse que se exerce por usucapião
2 – a intenção agir como dono
O animus domini (ou intenção de dono) é um requisito psíquico, que se integra à posse para afastar a possibilidade de usucapião dos fâmulos da posse. Excluindo-se, igualmente, toda posse que não se faça acompanhar do intuito de ter a coisa para si, como a posse direta do locatário, do credor pignoratício, do comodatário, do usufrutuário, do promitente comprador, do cessionário de promessa de compra e venda porque sua posse advém de títulos que os obriga a restituir o bem, não podendo, portanto, adquirir essa coisa (DINIZ,2007, p. 161).
É certo dizer que aqueles com a posse precária, tem o dever de restituir o bem ao proprietário do imóvel, de modo que somente aquele que cumprir com os requisitos da posse ad usucapionem farão jus à transmutação de posse em propriedade.
Em princípio, todos os imóveis são suscetíveis a aquisição por usucapião, exceto os que, por sua natureza ou disposição legal, estiverem excluídos,neste sentido, Gomes (GOMES, 2008) defende que são usucapíveis somente aqueles que recaem em coisas prescritíveis, mas não todos, sendo: a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, a habitação e o uso.
Cumpre ressaltar que por força do art. 102 do Código Civil: “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”, bem como por força do §3º do art. 183 e do parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal.
Estão descritos no Código Civil, em seu artigo 99, como bens públicos:
Art. 99. […] I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. (BRASIL, Lei nº 10.406 de 10 de 2002, Código Civil)
Deste modo, independentemente da espécie pleiteada, os bens públicos não poderão ser usucapidos.
No direito brasileiro há três espécies principais de usucapião de bens imóveis: usucapião extraordinária, ordinária e especial, sendo esta última subdividida em rural e urbana. Além dessas principais modalidades encontra-se também presente no ordenamento a modalidade especial de usucapião indígena, devidamente regulamentada pelo Estatuto do Índio.
A usucapião extraordinária ou Tradicional é a modalidade que tem como requisito o maior tempo de posse necessário para a aquisição da propriedade, mas, por outro lado, é a que necessita de menos premissas para a sua obtenção extraordinária.
Fundamenta-se a referida modalidade no artigo 1.238 do Código Civil, que dispõe:
Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis (CÓDIGO CIVIL, 2002).
Esta espécie, além do requisito comum para todas as formas – posse ad usucapionem, exercida com animus domini – necessita apenas do prazo prescricional de 15 (quinze) anos de posse.
O artigo 1.238 do Código Civil, o seu parágrafo único preceitua que será reduzido para 10 (dez) anos o prazo, se o possuidor constituir morada habitual ou ter realizado obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel.
A usucapião ordinária fundamenta-se no art. 1.242 do Código Civil. Na modalidade ordinária o lapso temporal é menor, sendo de dez anos, conforme previsão do caput do artigo, e de cinco anos, de acordo com o parágrafo único. Tal diferença encontra-se justificada pelo acréscimo de mais dois requisitos indispensáveis para esta modalidade: a boa-fé e o justo título.
Além dos requisitos gerais, o prazo poderá ser diminuído para apenas 05 anos, sendo necessário que exista concomitantemente: justo título de caráter oneroso, que fora registrado e posteriormente cancelado, e, a destinação dada ao imóvel, quer seja para moradia ou para inclinações de cunho econômico e social.
Avvad (AVVAD, 2006) explica, que o justo título é o instrumento que “se acha formalizado e extrinsecamente hábil para transmitir a propriedade, faltando-lhe, entretanto, algum requisito legal que impede sua transcrição”.
É o objeto que traz certeza ao usucapiente da sua propriedade sobre o imóvel, mas com algum vício sanável. Referido título deve ser idôneo para a transferência de propriedade, mas, que por algum erro formal, não produz seus efeitos jurídicos.
A usucapião especial rural, também chamada de usucapião pro labore³, encontra-se prevista no art. 191 da Constituição Federal, que aumentou a dimensão da área rural para cinquenta hectares, tendo seu parágrafo único vedado expressamente à aquisição de imóveis públicos. Além disso, outro requisito a ser observado é que o usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel, seja ele urbano ou rural.
Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2014) ensina que a simples posse não é suficiente para justificar a usucapião especial rural, pois o seu objetivo maior é promover a fixação do homem no campo, exigindo deste, em contrapartida, uma ocupação produtiva do imóvel através da moradia e trabalho.
A usucapião especial urbana compreenderá a posse de área urbana, de até duzentos e cinquenta metros quadrados e ocupado por cinco anos seguidos, com ânimo de dono e utilizado para moradia do possuidor ou da sua família, desde que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel durante o período aquisitivo.
A espécie da usucapião indígena emerge a partir da Lei nº 6.001, de Dezembro de 1973 (Estatuto do Índio).
Tal modalidade está prevista expressamente no art. 33 do referido estatuto: “O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”.
Presentes os requisitos, caberá a parte interessada demandar o usucapião do imóvel, de uma das formas a seguir apresentadas.
3 – Pelo Trabalho
Da usucapião extrajudicial face a lei 13.465/2017
O direito de requerer judicialmente o reconhecimento da usucapião está presente no artigo 1.241 do Código Civil, que assim dispõe: “Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel”. Todavia, esta não é a única possibilidade de usucapião. A possibilidade de solução de conflitos de interesse sem a prestação jurisdicional, ou desjudicialização, faz parte da realidade brasileira (TRINDADE, 2015).
O início do movimento de resolução de conflitos de forma extrajudicial pôde ser notado já em 1994, através da edição da Lei nº. 8.951, responsável por introduzir novos parágrafos ao art. 890 do Código de Processo Civil vigente à época, criando assim procedimento extrajudicial para consignação em pagamento de obrigação em dinheiro (CORRÊA, 2015).
Das leis com a vertente da desjudicialização, destaca-se a nº. 11.441/2007, pois a partir dela tornou-se possível a lavratura de escritura pública, nos cartórios e tabelionatos, para os casos de inventário, partilha, separação e divórcio, desde que não tenha conflito e de partes menores ou incapazes (CORRÊA, 2015).
Anteriormente, o reconhecimento da usucapião era disciplinado no Código de Processo Civil de 1973, em seus artigos 941 a 945, e cabia somente ao juízo competente analisar o preenchimento dos pressupostos formais, para então, a sentença ser transcrita em mandado e expedida ao Registro de Imóveis competente para seu devido registro.
Todavia, como forma de desjudicialização, inicialmente enfatizada desde a Emenda Constitucional nº 45/ 004, o artigo 1.071 do novo CPC/2015, acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), que traz, no caput:
Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: […]
Constata-se então, que a via extrajudicial passou a ser uma opção ao usucapiente, que, pôde escolher entre o procedimento judicial ou o extrajudicial, sem prejuízo de ambos.
Entretanto, a via extrajudicial é cabível somente nos casos em que não houver lide. Havendo impugnação por qualquer uma das partes, o procedimento será remetido para a via judicial, consoante §10º do art. 216-A:
§10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.
A usucapião extrajudicial ou administrativa foi uma inovação concebida inicialmente pela lei 11.977/2009, que instituiu o programa “Minha Casa, Minha Vida”, e consiste em um mecanismo de regularização fundiária de terrenos urbanos que já possuem ocupação, porém de forma desordenada. Segundo Fábio Caldas de Araújo (ARAÚJO, 2015), esse tipo de regularização fundiária se dá através de duas hipóteses: a primeira possui natureza social, e diz respeito à usucapião para moradia, e, a segunda, é destinada a fins específicos a serem definidos pela Administração Pública.
Cumpre ressaltar que a usucapião extrajudicial ou administrativa não se trata de nova modalidade de usucapião, mas sim, de procedimento administrativo realizado diretamente nas serventias extrajudiciais para o reconhecimento da posse e aquisição da propriedade, através do preenchimento dos requisitos legais exigidos.
Conforme João Pedro Lamana Paiva (PAIVA, 2016), busca-se com o novo procedimento principalmente a celeridade, pois diferentemente dos processos judiciais que se arrastavam por anos a fio nos tribunais brasileiros, estima-se uma duração aproximada de 90 a 120 dias, desde que preenchidos todos os requisitos do art. 216-A.
Para Paiva (PAIVA, 2016), o grau de simplicidade que reveste o procedimento da usucapião extrajudicial implicará numa maior facilidade para que o possuidor/usucapiente consiga, de modo efetivo, seguir com a aquisição da propriedade imobiliária fundada na posse prolongada, desde que se encontrem preenchidos os requisitos essenciais descritos no procedimento, quais sejam: ser o usucapiente representado por um advogado, apresentação de requerimento instruído com ata notarial, planta e memorial descritivo do imóvel, certidões negativas, além de outros documentos.
Segundo o que consta no inciso II do artigo 216-A da LRP, deverão também ser providenciados a planta e o memorial descritivo do imóvel, bem como deverão ser anexados documentos que fundamentem o pedido. Sobre o memorial descritivo, ensina Fábio Caldas de Araújo:
O memorial descritivo consiste em peça técnica exigida como documento essencial na redação do art. 942 do CPC de 1973 e que tinha como função permitir a formação da futura matrícula junto ao Registro Imobiliário. Por meio do memorial se obtém a identificação precisa do local em que o possuidor pretende exercer sua posse. O memorial deve conter a descrição da área usucapienda, seus limites e confinantes. Como se trata de peça técnica, o memorial deve ser assinado por profissional habilitado, o qual se responsabilizará pelas informações espelhadas no documento (ARAÚJO, 2015, p. 430).
Juntamente com a planta e o memorial descritivo, por força do inciso III do artigo 216-A da LRP deverão ser apresentadas no momento do requerimento as “certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente”.
Têm-se, por fim, o inciso IV, que descreve a necessidade do justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, continuidade e tempo da posse, podendo a partir destes qualificar a posse como ordinária, extraordinária ou especial.
A possibilidade de reconhecimento extrajudicial de usucapião já passou por mudanças, mais precisamente com a edição da Lei Federal nº. 13.456, de 11 de julho de 2017, a qual vem para sanar os antigos pontos controvertidos dispostos no art. 216-A da Lei de Registros Públicos.
A principal mudança se refere à interpretação do silêncio de qualquer dos possíveis prejudicados como concordância. Os possíveis prejudicados seriam o proprietário e outros “titulares de direito registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo” e “na matrícula dos imóveis confinantes”, conforme dispõe o § 2º do art. 216-A da Lei de Registros Públicos.
Outra mudança apresentada pela lei a quando as partes interessadas não são encontradas ou encontram-se em local incerto ou não sabido. A partir da nova previsão, o registrador deverá certificar o fato e promover a notificação por edital mediante publicação, duas vezes, em jornal de grande circulação, por quinze dias cada (§ 13) ou por meio eletrônico (§ 14) interpretando a ausência de resposta como concordância.
Para Flávio Tartuce (TARTUCE, 2017), a nova valoração dada ao procedimento extrajudicial da usucapião, trazida pela lei 13.465/2017, tem o condão de transformar àqueles que antes eram céticos em crentes, quanto ao poder que a desjudicialização do procedimento tem para contribuir para o reconhecimento mais célere e eficaz de um direito que emerge da posse prolongada no tempo e que reflete para a sociedade a certeza de que o possuidor é realmente o proprietário do imóvel que não cumpre a sua função social.
Conclusão
O processo de desjudicialização emerge no cenário jurídico nacional como uma possível solução para o caos no judiciário, gerado pela grande quantidade de processos. Por esse motivo, a utilização das serventias extrajudiciais poderia possibilitar que o Judiciário se ocupe com as questões que efetivamente justifiquem sua atuação.
O procedimento extrajudicial da usucapião para todas as modalidades foi introduzido no ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 1.071, que por sua vez inseriu o Art. 216-A na Lei de Registros Públicos.
A Lei 13.465/2017 surgiu para sanar os pontos controvertidos no art. 216-A da LRP. A principal mudança se referiu à interpretação do silencio de qualquer um dos possíveis prejudicados como concordância, suprimindo assim a principal queixa do procedimento original e abrindo novas esperanças a efetividade do procedimento. Outras mudanças se referem a possibilidade da notificação ser feita por edital e a desnecessidade de notificar os confinantes das unidades autônomas de condomínios edilícios. Sendo assim, o procedimento da usucapião seria muito mais célere, desafogando o judiciário e resolvendo a demanda
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Fonte: Âmbito Jurídico
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