As condições são elementos acidentais dos negócios jurídicos consistentes em estipulações que sujeitam os efeitos deste negócio – ou a sua resolução – a um evento futuro e incerto. Sendo elementos acidentais, não têm autonomia, com o que devem sempre integrar um negócio jurídico.
Tratando-se de negócio que tenha por objeto bens imóveis, as condições que o subordinem ingressarão no Registro de Imóveis juntamente com o título que transmitir ou onerar o bem. Com isso, qualquer que seja sua modalidade – suspensiva ou resolutiva1 – não será objeto de assento autônomo, mas, ao contrário, deverá ser mencionada no corpo do próprio ato que registra ou averba o título que a contem.
O implemento da condição – ou seja, a ocorrência do evento futuro e incerto – importará efeitos de suma relevância para o negócio, que se projetam no próprio direito real: sendo suspensiva a condição, a ocorrência do evento implicará a aquisição da propriedade ou constituição do direito real, acerca do qual seu agora titular anteriormente somente tinha uma expectativa; por outro lado, sendo resolutiva, implicará a sua extinção.
Em qualquer dos dois casos o resultado no Registro de Imóveis será a prática de um ato de averbação, destacando-se que em se tratando de condição resolutiva, a averbação terá por conteúdo o cancelamento do registro prejudicado.
Já Serpa Lopes2 reconhecia que estes fatos poderiam ingressar no Registro de Imóveis com base no requerimento unânime das partes; ou, ainda, mediante requerimento unilateral, desde que acompanhado de prova documental do consentimento de todos – por exemplo, em uma cláusula resolutiva vinculada ao pagamento do preço (o antigo “pacto comissório”, do Código Civil de 1916), caberia ao termo de quitação este mister. Tratando-se de requerimento unilateral solicitando a averbação do implemento de condição resolutiva, esta prova documental faria mesmo as vezes do “documento hábil” de que trata o artigo 250, III, da lei 6.015/1973.
Por outro lado, ainda segundo Serpa Lopes, não sendo possível obter este consenso, quer fosse ele exarado no próprio requerimento, quer fosse em um documento complementar, não haveria outro meio de se confirmar o negócio, na condição suspensiva, ou de se cancelar o registro, na condição resolutiva, fora da via judicial.
Há, todavia, certos fatos jurídicos cuja prova se faz com documentos autênticos e que gozam de presunções legais. Tenha-se, por exemplo, o óbito. Consistindo a condição no falecimento de certa pessoa antes do adquirente de um bem, demonstrada pela respectiva certidão de óbito; ou, ainda, pela realização de uma construção no terreno, demonstrada pelo respectivo habite-se, não haveria nenhuma razoabilidade em se exigir um processo judicial para verificação do implemento da condição.
Nessa toada, a lei 14.711/2023, ao inserir na lei 8.935/1994 o Artigo 7º-A, I, tornou ainda mais abrangente o escopo de eventos futuros e incertos que podem ser carreados ao Registro de Imóveis sem necessidade de recurso ao Poder Judiciário. Referido dispositivo atribui ao tabelião de notas a certificação do implemento ou frustração de condições apostas a negócios jurídicos, com o que será possível a produção de um documento autêntico – uma ata notarial – que ateste os fatos que, nos termos do negócio, estariam destinados a subordinar sua eficácia.
Assim, havendo, por exemplo, condição suspensiva, tornou-se possível a prática do ato da averbação que confirma a eficácia do ato com base na apresentação a registro e qualificação positiva da respectiva ata notarial; por outro lado, havendo condição resolutiva, a ata foi agora erigida em “documento hábil” a autorizar o cancelamento a requerimento do interessado, nos termos do Artigo 250, III, da lei 6.015/1973.
Não há nisso grande novidade: em já citado trabalho publicado em 2016 já havíamos defendido a conveniência da adoção da ata notarial em casos semelhantes3. Observe-se que na Espanha desde ao menos os anos 1940 – com base na Resolução de 10 de Janeiro de 1944, da Direção Geral dos Registros e Notariado – já se vinha admitindo o ingresso no registro do implemento das condições até mesmo pela notoriedade do fato em questão4. Mais recentemente, a Resolução de 25 de Janeiro de 2010 da mesma Direção reiterou o seu entendimento, acrescentando ainda o ingresso por documento público que dê fé da ocorrência do fato.
A delimitação dos fatos jurídicos que podem ser, por essa via, levados ao Registro de Imóveis é determinado pelas próprias limitações da ata notarial. Podem ser constatados fatos objetivamente verificáveis, constatáveis ictu oculi pelo notário. Recorde-se que não cabe ao notário realizar juízo de valor sobre os fatos por ele apreendidos5. Assim, havendo necessidade de oitiva de testemunhas, elaboração de laudos periciais, ou de qualquer outro elemento que complemente aquilo que o notário capta com seus sentidos, inafastável será o recurso à via judicial, onde a ata poderá ser utilizada como meio de prova, nos termos do Artigo 384 do Código de Processo Civil.
Em observância do princípio da legalidade, tendo a ata notarial conteúdo que ultrapasse estes limites, deverá o registrador qualifica-la negativamente, exigindo o consentimento da outra parte, ou decisão judicial.
A tramitação no registro de imóveis segue o procedimento geral: protocolo, qualificação e averbação (em caso de qualificação positiva) ou devolução (em caso de qualificação negativa). É importante se ter claro que nas condições resolutivas a ocorrência do evento futuro e incerto implica a resolução de pleno direito do negócio, independente de interpelação, ou até mesmo do conhecimento das partes6. Dessa maneira, tendo sido o fato objetivamente constatado, o ingresso da resolução no Registro de Imóveis independerá de anuência, ou mesmo da interpelação, da parte prejudicada. Destaque-se que diferentemente do que fez com a Execução Extrajudicial da Alienação Fiduciária em Garantia de Bens Móveis, com a Execução Extrajudicial dos Créditos Garantidos por Hipoteca, ou com a Execução Extrajudicial de Garantia Imobiliária com Concurso de Credores, a lei 14.711/2023 não previu qualquer tipo de procedimento notificatório, ou mesmo contraditório abreviado, para a constatação do implemento da condição pelo notário, ou para seu acolhimento pelo Registro de Imóveis.
Em conclusão, tem-se com a novidade mais um capítulo no caminho da desjudicialização que vem sendo empreendida no Direito Brasileiro. Oxalá sirva como meio de facilitação da vida das pessoas e correção de injustiças.
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1 A respeito do ingresso no Registro de Imóveis das condições em si, em especial das condições suspensivas, cf. Ivan Jacopetti do Lago, As Condições Suspensivas e o Registro de Imóveis, in, Boletim IRIB em Revista (354) (2016).
2 Cf. Miguel Maria de Serpa Lopes, Tratado dos Registros Públicos, Vol. III, 4a Ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1960, p, 375.
3 cf. Ivan Jacopetti do Lago, As Condições Suspensivas e o Registro de Imóveis, in, Boletim IRIB em Revista (354) (2016).
4 Cf. Jose Maria Chico y Ortiz, Estudios Sobre Derecho Hipotecario, Vol. I, 2ª Ed., Zaragoza, Marcial Pons, 1989, p. 483.
5 Cf. Leonardo Brandelli, Teoria Geral do Direito Notarial,
6 Cf. Micaela Barros Barcelos Fernandes, Distinção Entre a Condição Resolutiva e a Cláusula Resolutiva Expressa: Repercussões na Falência e na Recuperação Judicial, in, Revista Brasileira de Direito Civil (20) (2019).
Fonte: Migalhas
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