A maioria esmagadora das empresas no Brasil é de modelo familiar e, nesse cenário, a expansão da arbitragem como forma de solucionar conflitos parece uma alternativa razoável para desafogar o Judiciário. Há apenas uma barreira, por enquanto de difícil superação: o custo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar. Esse tipo de companhia representa 65% do Produto Interno Bruto e emprega 75% da população ativa.
Na mesma medida em que predominam na economia, no entanto, esses empreendimentos não costumam ter vida longa. Conforme o Índice Global de Empresas Familiares da empresa PwC, apenas 36% das empresas familiares continuam na segunda geração. Na terceira, 19% seguem com suas atividades e somente 7% chegam à quarta geração.
Diante desse cenário, seria um passo lógico tentar evitar a judicialização das questões sucessórias nas empresas familiares. As vantagens do procedimento arbitral, conforme especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, são a rapidez, o nível de especialização do árbitro e a confidencialidade. O fator negativo, com potencial para frear o crescimento desse tipo de solução, é o custo, que torna a modalidade inacessível para a maioria das empresas brasileiras.
Sem exposição
Paulo Macedo, sócio da área de Resolução de Disputas com foco em Arbitragem do Cescon Barrieu, afirma que as maiores disputas empresariais do país envolvem alguma forma de sucessão.
“As formas de resolução de conflitos de sucessão fora do Judiciário são muito interessantes porque evitam que as disputas se tornem públicas. Das possíveis, a decisão arbitral é a única que tem força judicial. Por isso, é muito indicada para empresas familiares”, explica.
A confidencialidade, neste contexto, protegeria a imagem da empresa perante clientes, fornecedores e acionistas, no caso das empresas listadas em bolsa de valores.
Felipe Matte Russomanno, sócio da área de Família e Sucessões do Cescon Barrieu, concorda que o mercado para arbitragem de sucessões ainda está engatinhando, mas tem muito espaço para crescer.
“Via de regra eu diria que o procedimento arbitral para um conflito sucessório é resolvido com mais qualidade do que em uma sentença proferida no Poder Judiciário”, sustenta.
Russomanno sustenta que embora um juiz que vá tocar o processo de inventário possa atuar em uma câmara especializada, ele não consegue ter conhecimento aprofundado, por exemplo, sobre todas diferentes composições de patrimônio que uma família pode ter.
“E aí estamos falando de famílias empresárias com patrimônios complexos. Não necessariamente o juiz de família e sucessões vai ter um conhecimento aprofundado para dar uma sentença, com tamanho conhecimento sobre a matéria que um árbitro poderia dar”.
O advogado especializado em Direito Sucessório e de Família Fábio Botelho tem opinião semelhante. Segundo ele, quanto mais complexo for o patrimônio de uma família, mais a arbitragem é indicada para resolver conflitos sucessórios.
“É muito comum que famílias com esse tipo de patrimônio adotem cláusula arbitral no testamento e no contrato social e estatuto de suas empresas. Também é possível eleger a arbitragem como meio para para resolver conflitos de controle administrativo desses grandes grupos”, explica.
Ele critica veementemente a possibilidade de judicialização das decisões arbitrais. “É muito uma jabuticaba nossa questionar a decisão do árbitro na justiça estatal. Isso desanima muitas famílias”, lamenta.
Custos
Botelho ressalva, no entanto, que o maior impeditivo para adoção maciça de arbitragem em conflitos sucessórios é o seu preço. “Apesar do aumento das taxas judiciais em muitos tribunais de Justiça, o preço da arbitragem é significativamente maior. E, além disso, ainda existe a possibilidade da decisão arbitral ser judicializada por uma das partes que não ficar satisfeita”, diz.
Os honorários de um árbitro na Câmara de Arbitragem do Comércio é de R$ 1.200 por uma hora de trabalho. A tabela de custas e honorários da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Fiesp, por exemplo, mostra que, em São Paulo, as taxas de administração podem variar entre R$ 30 mil e R$ 360 mil.
A menor taxa, de R$ 30 mil, pertence à faixa de causas com valores menores que R$ 400 mil. Já o honorário do árbitro pode variar entre R$ 20 mil e R$ 670 mil. Caso o procedimento seja conduzido por três árbitros, como ocorre em colegiados da segunda instância do Judiciário, o total de honorários pode chegar a R$ 1,6 milhão. O menor honorário, de R$ 20 mil, também pertence à faixa com valores discutidos de menos de R$ 400 mil.
O advogado Carlos Yury de Morais, por sua vez, enxerga espaço para a democratização ao procedimento arbitral promovido pela redução de custos e por câmaras de arbitragem ligadas às seccionais da OAB, que costumam ter um custo menor.
“Hoje em dia temos algumas câmaras de arbitragem ligadas à OAB que têm taxas mais baratas do que o modelo adotado inicialmente no Brasil. A dinâmica é que quanto mais especializada uma câmara arbitral for, mais ela terá taxas mais caras por conta do grau de especialização dos árbitros”, explica.
O que pode fazer de vez a arbitragem ganhar terreno na resolução de conflitos de médio porte são as possibilidades criadas pela Lei das Garantias (Lei 11.711/2023), que permite aos tabeliães de cartórios atuarem como árbitros.
Segundo dados da Associação Nacional dos Notários (Anoreg), o país tem 13.440 cartórios em 5.570 municípios.
Paulo Macedo também destaca, neste sentido, a Resolução CNJ 452/2022, que permite a nomeação de inventariante por escritura pública, diretamente no cartório — ou seja, de modo extrajudicial.
Fonte: ConJur
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