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A responsabilidade civil dos titulares, interinos e interventores de serventias extrajudiciais: Avanços e retrocessos

Publicado em 24/07/2024

Introdução

Neste artigo propõe-se examinar a responsabilidade civil dos notários e registradores brasileiros à luz do tratamento dispensado pela Constituição Federal, lei dos registros públicos, Estatuto dos Notários e Registradores e jurisprudência, fazendo-se uma análise de seus possíveis avanços e retrocessos até a fixação do entendimento majoritário atual.

Quanto à metodologia, empregou-se o método indutivo na coleta e exame material bibliográfico e na análise, o método dedutivo.

Da responsabilidade civil dos titulares das serventias

A responsabilidade civil de notários e registradores no Brasil é uma questão que de longa data tem causado discussões perante os órgãos judiciais e mesmo atualmente, com a pacificação no âmbito jurisdicional, conforme Tema 777 da Suprema Corte de Justiça do País, continua sendo objeto de polêmica.

A fim de bem situar o leitor, antes que se adentre na análise da responsabilidade civil desses profissionais, necessário se faz recordar o tratamento dado à matéria nos últimos anos. Para tanto, tomar-se-á como parâmetro de corte o texto da lei 6.015/73, com vigência a partir de 1ª/1/76.

Pois bem, esse diploma legal também conhecido como lei dos registros públicos, adotou a teoria da responsabilidade subjetiva, exigindo, em caso de reparação, que o oficial, seus substitutos e demais prepostos tenham agido com dolo ou culpa, em prejuízo do interessado no registro.

Aqui cabe abrir um parêntese, pois em que pese a lei falar em oficial e registro, o texto deve ser lido como direcionado ao titular da serventia, ou seja, abrange tanto os registros públicos quanto as notas.

Esclarecido isso, entende-se que ao entrar em vigor a Constituição de 1988 a questão ganhou novos contornos, vacilando a jurisprudência ora para o lado da teoria da responsabilidade subjetiva, ora encampando a teoria da responsabilidade objetiva (direta ou indireta), tese esta que passou ser a preferida quando entrou em vigor a conhecida lei dos notários e registradores, diferente do período compreendido entre 5/12/88 e 18/11/84, no qual prevaleceu o entendimento da responsabilidade sem culpa, isto é, necessitava-se fazer prova do fato e do nexo de causalidade para daí surgir a obrigação de indenizar.

Noutro giro, a tese da responsabilidade objetiva foi combatida duramente anos pelos notários e registradores, até que a lei 13.286, de 10/5/16, ao dar nova redação ao art. 22 da lei 8.935/94, restabeleceu a teoria subjetiva, confirmada pelo STF quando do RE 842.846 – Santa Catarina, dando repercussão geral para fixar o entendimento no sentido de que o Estado responde de forma objetiva pelos ações ou omissões dos notários e registradores que causarem prejuízos a terceiros, assegurando-se o direito de regresso.

Vale lembrar, que a lei 6.015/94 na maioria de seus aspectos foi recepcionada pela Constituição Federal e que a lei 8.935/94 em momento algum chegou a afirmar que notário e registradores estariam sujeitos a uma responsabilidade objetiva, portanto, não teria derrogado, neste particular aspecto, a lei dos registros públicos, e, com a redação dada pela lei 13.286/16 ao parágrafo único de seu art. 28, não restam dúvidas de que em um primeiro momento, eventual ação deverá ser dirigida contra o Estado.

Todavia, MEIRELLES1 atualizado por Eurico de Andrade Azevedo, leciona que tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas prestadoras de serviço público devem responder conforme o princípio da responsabilidade sem culpa, pois entende não se justificar que “(…) a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originalmente público, ao particular, descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o delegatário das responsabilidades próprias do Poder Público(…)”, muito embora em relação aos notários e registradores, julgue que o Estado ainda continua com responsabilidade subsidiária, isto é, o Estado somente  assumiria a responsabilidade por atos do delegatário na impossibilidade desse agente não contar com recursos para ele próprio fazer o ressarcimento dos danos causados a terceiros em razão de seu ofício, tese esta já superada.

No plano doutrinário, entretanto, razão assiste a BENÍCIO2 que, no estudo sobre a responsabilidade civil do Estado decorrente de atos notariais e de registro ao indagar se as pessoas físicas prestadoras de serviço público estão alcançadas pelo disposto no art. 37, § 6º da Constituição, responde que  notários e registradores, em decorrência de atos próprios do serviço, não devem ser responsabilizados com fundamento na teoria do risco administrativo, pois no seu entendimento a responsabilidade objetiva é do Estado, cabendo-lhe unicamente ajuizar ação regressiva contra os titulares das serventias para buscar eventual ressarcimento, mas nesse caso deverá provar que esses profissionais ou seus prepostos agiram com dolo ou culpa em face do tomador dos serviços.

De fato, lendo o artigo acima seria bizarro entender que o Constituinte atribuiu aos notários e registradores uma responsabilidade objetiva pela prática de atos próprios de suas atribuições legais, pois a teoria do risco administrativo, aqui discutida dirige-se às pessoas jurídicas, considerando que referido dispositivo constitucional nenhuma referência faz às pessoas físicas prestadoras de serviço público, como é o caso dos notários e registradores, em que pese essa tese ter sido majoritária na doutrina e jurisprudência brasileiras, antes das mudanças trazidas pela lei 13.286/16.

Entretanto, o STF tem mantido ao longo de sua história uma jurisprudência firme no sentido de que notários e registradores na posição de ocupantes de cargos públicos, embora latu senso, somente devem ser responsabilizados por atos próprios da atividade notarial e registral, diante da demonstração de uma conduta dolosa ou culposa.  

Da responsabilidade civil de interinos e interventores

À luz da Constituição, o Estado não deveria prestar os serviços notariais e de registro diretamente, mas em algumas hipóteses assim tem sido feito diante da ausência de delegatários.

Com efeito, na vacância eventual de uma serventia decorrente da extinção da delegação ou mesmo sem a extinção, como acontece quando o titular é afastado durante a instauração de um processo administrativo, o serviço notarial ou de registro passa a ser exercido, provisoriamente, por um agente estranho a essas instituições, ou seja, por interino ou interventor, respectivamente.

Nessas hipóteses, a lei, embora desviando-se do modelo constitucional, tem admitido que a atividade notarial e de registro seja temporariamente exercida por essas pessoas não concursadas, criando-se uma situação anômala que já deveria ter sido reparada pelo legislador por meio de mecanismos que superassem esses entraves, como por exemplo, estabelecendo-se a obrigatoriedade de um prazo de dois anos prorrogável por igual período na validade dos concursos públicos, pois assim procedendo não se eliminariam os candidatos aprovados nos diversos certames que não foram chamados a assumir as serventias vagas.

Por óbvio que nessas circunstâncias, na ausência do delegatário e tendo o Estado designando alguém para responder pelo serviço de forma provisória, deverá, também, ser responsabilizado pelos atos desses agentes administrativos.

Na hipótese ora tratada, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, pois os seus designados não respondem objetivamente pelos atos próprios da serventia, somente sendo responsabilizados pelos atos que praticarem durante a intervenção ou interinidade, em eventual ação regressiva requerida pela pessoa jurídica de direito público responsável pela designação a título precário.

Com efeito, a precariedade do exercício da função notarial e de registro também não retira do Poder Público a responsabilidade pelos atos desses colaboradores esporádicos do Estado, antes reforça.

RIBEIRO aduz que:

Os designados atuam com o objetivo único de assegurar a continuidade do serviço até que a unidade vaga seja levada a concurso, razão pela qual é incompatível a sua manutenção no exercício dessa atribuição, por natureza precária e transitória, caso defendam interesse pessoal contrário à realização do concurso ou qualquer medida que importe no provimento da referida unidade. Agem em nome do Estado, que pode e deve definir seus parâmetros de atuação, pois, em caso de dano decorrente da prestação dos serviços, responde diretamente perante terceiros, com direito de regresso em face daqueles que precariamente designou para responderem pelo expediente vago.

Na citada obra4, o autor reafirma que o Estado tem responsabilidade direta e solidária quanto aos danos causados pelo interino no exercício da função notarial e de registro nas referidas unidades vagas, reservando-lhe apenas o direito de regresso em face daqueles que precariamente designou.

No mesmo sentido, CENEVIVA5 ao comentar a lei 8.935/94, na obra de igual prestígio, intitulada “Lei dos Notários e Registradores Comentada”, consigna que: “(…). No período de vacância do delegado notarial ou de registro, o cumprimento das correspondentes atividades é da responsabilidade do Poder Público até que, após concurso público de ingresso ou de remoção, a vaga seja ocupada(…)”.

Conclusão

Na atual quadra do desenvolvimento do país, a responsabilidade de notários e registradores, por atos lesivos a terceiros no exercício de suas atividades profissionais, não restam dúvidas de que seja subjetiva, a exigir que o delegatário tenha agido com dolo ou culpa, o mesmo ocorrendo com maior razão em relação aos interinos e interventores, eis que não se tratam de pessoas especialmente selecionadas por meio de concursos públicos, aumentando assim a responsabilidade do ente estatal.

Fonte: Migalhas