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“A DAV é um importante instrumento por meio da qual o interessado pode tornar públicos seus desejos e suas opções a serem observados quando estiver incapacitado de manifestar sua vontade”

Publicado em 14/07/2023

Em entrevista ao CNB/PR, o advogado especialista em Direito Notarial e Registral, Maurício Barroso Guedes, fala sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade

O impacto das mais de 40 mil mortes causadas pela pandemia da Covid-19 acabou alterando os hábitos das famílias paranaenses. Exemplo disso foi o aumento considerável pela procura de testamento nos cartórios de notas do país durante o período em que o mundo vivenciou a pandemia.

Além de preservar a vontade do testador relativa a seu patrimônio e a seus desejos pessoais, o testamento tem se tornado um instrumento eficaz para realização de um planejamento patrimonial efetivo, evitando desavenças entre os herdeiros, otimizando a transmissão patrimonial e a gestão dos ativos familiares.

Porém, a procura não se dá somente aos documentos feitos para valer após a morte do usuário, mas também em atos que podem valer ainda em vida. Conhecido pelo nome técnico de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs), mas popularmente chamado de testamento vital, os documentos que permitem que as pessoas, antecipadamente, expressem suas escolhas quanto às diretrizes de um tratamento médico futuro, caso fiquem impossibilitadas de manifestar sua vontade em virtude de acidente ou doença grave, também está ficando mais popular entre os brasileiros.

O ato é disciplinado em âmbito médico pela Resolução 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina (CFM), permitindo determinar, por exemplo, que a pessoa não deseja submeter-se a tratamento para prolongamento da vida de modo artificial. O testamento vital, que ainda não dispõe de lei federal específica no Brasil, não pode dispor sobre o procedimento da eutanásia, proibido no País.

Para falar de forma mais aprofundada sobre o tema, o Colégio Notarial do Brasil – Seção Paraná (CNB/PR) conversou com o advogado especialista em Direito Notarial e de Registro, Maurício Barroso Guedes. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

CNB/PR – O que pode ser atestado nas Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs)?

Maurício Barroso Guedes – Por meio das Escrituras Públicas de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAVs), o indivíduo pode consignar suas decisões e seus desejos relacionados aos procedimentos, cuidados e tratamentos que devem ser adotados caso venha a ser acobertado por doença que lhe subtraia as condições de tomada dessas decisões, ou mesmo definir um representante para tomar as decisões em seu nome.

A Resolução CFM nº 1.995/12 define DAV como sendo “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.

Aplicam-se as DAVs, por exemplo, para pacientes em estado terminal, bem como para pacientes que sofrem de doenças neurodegenerativas com estado degenerativo constante e incurável, hipótese na qual se antevê que haverá um momento em que o paciente não terá mais condições de tomar as decisões.

Assim, o interessado pode decidir sobre os tratamentos aos quais será submetido, ou mesmo autorizar aos médicos a limitação ou suspensão de “procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável” (Resolução CFM nº 1.805/2006). Dentre outros, pode ainda decidir sobre questões relativas à doação de órgãos, destinação de seu corpo após o óbito, ou mesmo constituir um representante específico para tomar essas decisões no momento crítico de sua enfermidade.

Nesse aspecto, importa destacar que a DAV é um gênero mais amplo, que abrange/comporta manifestações diversas dentre as quais estão aquelas abarcadas pelo denominado “testamento vital”. Isso porque, tecnicamente falando, o “testamento vital” se refere especificamente aos desejos do paciente a serem observados pelo médico quanto aos tratamentos que deseja ou não receber no momento de sua terminalidade.

Ressalte-se, porém, que a DAV não obriga os médicos e nem assegura ao interessado o direito à realização de eutanásia direta e ativa, suicídio assistido ou outras espécies de condutas médicas consideradas ilícitas no Brasil. Entretanto, por se tratar de uma declaração da parte, há quem defenda ser possível que o interessado manifeste e o tabelião faça constar na escritura pública o desejo por alguma dessas medidas, embora o seu cumprimento reste, a priori, obstado pela ilicitude do objeto (art. 166, inc. II, do CC).

Diante das peculiaridades do ato, deve o interessado ser maior de 18 anos e estar legalmente capacitado para os atos da vida civil no momento da lavratura da Escritura Pública de Diretivas Antecipadas de Vontade.

CNB/PR – Quais são as vantagens das DAVs?

Maurício Barroso Guedes – A DAV é um importante instrumento por meio da qual o interessado pode tornar públicos seus desejos e suas opções a serem observados quando estiver incapacitado de manifestar sua vontade.

Assim, revela-se uma importante ferramenta para que o cidadão tenha tranquilidade em relação à forma como será tratado quando incapacitado, podendo decidir de antemão pelo tratamento que entenda lhe conferir maior dignidade.

Por outro lado, auxilia muito na redução de conflitos dos profissionais de saúde acerca dos tratamentos a serem adotados, e entre os próprios familiares do paciente quanto às decisões a esse respeito, evitando que o momento indesejado se torne ainda mais conturbado para as pessoas queridas.

A sua realização por meio de escritura pública, por sua vez, garante ao interessado a autenticidade e publicidade do ato (já que sua existência é passível de consulta gratuita por meio do sítio eletrônico https://censec.org.br/), impedindo assim que o documento seja destruído/extraviado por qualquer pessoa que discorde com os seus termos, ou

mesmo falsificado/adulterado. O próprio interessado, porém, pode alterar ou revogar o seu conteúdo a qualquer momento, em cartório, o que igualmente lhe assegura o pleno conhecimento de sua última manifestação.

CNB/PR – Qual o papel da advocacia no processo de testamento vital?

Maurício Barroso Guedes – Embora não exista a obrigação de assistência por advogado para a lavratura de Escritura Pública de DAV, é extremamente aconselhável que os interessados consultem previamente um advogado para a sua elaboração, seja para obter orientação a respeito das opções que serão externadas, seja para auxílio na prévia análise de todos os pontos que sejam de interesse do declarante, de acordo com o seu caso concreto.

Para além disso, compete à advocacia, conhecedora da realidade de seus clientes, orientá-los sobre a possibilidade de realização da Escritura Pública de DAV, visto que se trata de forma de garantir a observância de suas vontades e, também, evitar conflitos entre familiares sobre eventuais decisões acerca do tratamento a ser adotado.

CNB/PR – As DAVs podem ser alteradas ou anuladas pelo declarante?

Maurício Barroso Guedes – Sim. A Escritura Pública de DAV pode ser alterada ou anulada a qualquer momento pelo declarante, enquanto ainda dotado de capacidade civil plena, mediante celebração de nova escritura pública constando os pontos de alteração e/ou revogação.

CNB/PR – Como avalia o papel dos tabeliães na execução de testamentos vitais no Paraná?

Maurício Barroso Guedes – Os tabeliães do Paraná estão entre os mais respeitados do país, seja pela qualidade técnica dos serviços prestados, seja pelas estruturas de atendimento, seja pelas iniciativas e propostas que apresentam para o desenvolvimento da atividade, seja pela capacitação dos titulares e escreventes.

Por isso, estão preparados e habilitados para a redação da Escrituras Públicas de DAVs, adequando-as aos desejos de cada usuário, de modo a assegurar a sua plena eficácia caso venham a se mostrar necessárias.

Testamento Online

Desde junho de 2020, o ato também pode ser realizado de forma online, pela plataforma oficial e-Notariado (www.e-notariado.org.br). Para realizá-lo, o cidadão precisa de um Certificado Digital Notariado, emitido gratuitamente pelos Cartórios de Notas cadastrados, ou possuir um certificado padrão ICP-Brasil, o mesmo utilizado para envio do Imposto de Renda de Pessoa Física.

Com o certificado digital, o cidadão deve entrar em contato com o Cartório de Notas de sua preferência e solicitar o ato. Um link para a videoconferência será enviado para o e-mail indicado pelo usuário. Após a videochamada, na qual é realizada a identificação das pessoas e a coleta de sua vontade, o cidadão pode assinar seu documento pelo computador ou celular com um simples clique. O valor do ato online é o mesmo do praticado presencialmente em cartório e obedece a uma tabela estadual fixa.

Fonte: Assessoria de Comunicação – CNB/PR