Ao contrário de uma união estável, quem busca contrato de namoro não tem intenção de constituir família. Casal de Curitiba relata que procurou acordo por segurança jurídica e para evitar burocracia.
No intuito de minimizar ou até eliminar futuros problemas burocráticos com o fim do relacionamento, alguns casais têm buscado firmar o chamado contrato de namoro – modalidade existente na legislação brasileira de 2013.
Diferente da formalização da união estável, esse tipo de acordo deixa claro que o casal não tem a intenção de constituir uma família, preservado o patrimônio individual das partes. Sendo assim, estabelece regras e desfechos para assuntos e elos do dia a dia.
Entre 2013 e junho de 2023, foram 482 contratos de namoro registrados em todo o Brasil.
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Daiana Kosteski, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, explica que o documento serve para proteger especialmente o patrimônio individual do casal ao deixar registrado que o que eles têm não é uma união estável.
Para poder fazer um contrato de namoro, o casal deve se encaixar na definição de “namoro qualificado”.
“Seria aquele namoro robusto, intenso, duradouro, que muitas vezes esse casal até reside junto. Mas a grande diferença de uma união estável é que eles não possuem a intenção de formar uma família”, esclarece Kosteski.
É o caso de Leandro Pereira Corso e Luciane Cavalcanti Popadiuk.
Os dois são moradores de Curitiba, namoram desde 2019, possuem filhos de relacionamentos anteriores e procuraram a modalidade do contrato de namoro para fugir da burocracia.
“Lógico que a gente não começa uma relação pensando em terminar. É justamente com esse pensamento que muitos casais entram em relação estável e casam. Aí quando terminam passam por um divórcio difícil com relação à divisão de bens e à burocracia, e a gente queria evitar esse desgaste. Falamos: ‘vamos pensar nisso, enquanto nós estamos felizes. Esperamos continuar felizes na nossa vida toda, mas vamos pensar nisso com racionalidade, não vamos pensar com a emoção'”, afirma Luciane.
O exemplo do casal é clássico no perfil de quem busca por esse tipo de contrato, como explica a advogada Kosteski.
“A pessoa quer viver um romance, ter liberdade de se relacionar, ter um afeto, de viver um amor, de viajar, de repente, até pagar uma viagem até para o namorado ou namorada, mas não quer que isso seja uma prova jurídica de isso era uma união estável depois”, define.
Crescimento com a pandemia
Apesar da possibilidade existir há tanto tempo, a advogada explica que a procura por esse tipo de acordo cresceu após a pandemia.
“Com a pandemia muitos casais foram morar juntos. Então, criou-se uma insegurança jurídica no sentido de: todo mundo que foi morar junto é uma união estável? Por isso houve um crescimento na procura do contrato de namoro”, explica Kosteski.
Dados do Colégio Notarial do Brasil – Seção Paraná (CNB-PR) indicam que 31 contratos de namoros foram registrados no estado entre 2015 e 2023. A maior quantidade deles, em 2020: naquele ano, 12 casais optaram pela modalidade.
A tendência de crescimento durante a pandemia se repetiu a nível nacional. Em 2020, foram 88 contratos de namoro registrados em cartórios do Brasil.
O presidente do CNB/PR, Daniel Driessen Junior, reforça a importância dos atos praticados nos Tabelionatos de Notas do Paraná, isso em razão da maior segurança jurídica que o contrato de namoro pode proporcionar aos companheiros.
“O contrato de namoro representa grande evolução para a igualdade dos direitos dos companheiros. É de grande relevância reforçar que o contrato garante a comprovação do relacionamento afetivo e que não há, entre o casal, o objetivo de constituir família. Quando falamos de União Estável e Contrato de Namoro, é importante frisar que cabe ao casal refletir sobre a escolha de qual pacto seguir, estando de acordo com a realidade dos companheiros”, afirma.
Como funciona?
Conforme Kosteski, os contratos de namoro devem ser registrados em cartório para que tenha efeito jurídico.
Existem cláusulas mais comuns, presentes na maioria dos documentos, e outras que podem ser adicionadas de acordo com a necessidade de cada casal.
Confira algumas das cláusulas comuns em contratos de namoro:
- Os contratantes declaram que possuem um namoro, sem qualquer tipo de vínculo matrimonial;
- Caso o namoro se torne uma união estável, há a definição do regime de bens;
- Definição da questão de coabitação, se o casal vai morar junto ou não;
- Declaração da independência econômica: o casal afirma que não são dependentes financeiramente um do outro;
- Casal define que, em eventual dissolução do namoro, o outro não terá direito a pensão alimentícia e também a ausência do direito de sucessão e herança;
- Os contratantes declaram que não possuem interesse em ter filhos juntos e, em caso de gravidez, não há conversão do namoro em união estável e os direitos da criança serão resguardados.
Em caso de término, os contratos podem ter cláusulas que abordam:
- Como os pertences um do outro serão devolvidos, especialmente recorrendo a um representante neutro;
- Os presentes dados durante o relacionamento não serão devolvidos;
- No caso de uso de plataformas de streaming assinadas por um dos integrantes do casal e compartilhada com o outro a pessoa pode ser removida do acesso imediatamente;
- Como ficará a guarda de animais de estimação adquiridos durante o relacionamento, com a possibilidade de visitas.
Além disso, a advogada reforça que para o contrato ter efetividade é necessário que o casal se apresente socialmente como namorados. Caso contrário, o documento perde a validade.
Reflexo das relações modernas
A existência de contratos de namoro pode ser classificada como um reflexo das novas formas de se relacionar. De acordo com Kosteski, a expressão representa uma das evoluções do Direito de Família.
A advogada cita que no Direito de Família nem tudo está escrito no Código Civil. Segundo ela, o direito de família acompanha a sociedade, acompanha a cultura.
“Veja, antigamente tinha que esperar dois anos para se divorciar. Primeiro tinha que se separar e depois você podia se divorciar. Hoje tem divórcio imediato. A questão da união estável teve um crescimento enorme e hoje ela é equiparada a um casamento. Cresceu, e o direito de família se inovou”, exemplifica.
Por muito tempo, segundo Koteski, o contrato de namoro foi visto como um “contrato de fraude”, usado por pessoas que possuíam uma união estável, mas não queriam dividir os bens.
A advogada reforça a necessidade de que as pessoas que fecharem o contrato sejam mesmo namoradas, para que ele tenha validade.
Por isso, cada caso é analisado cuidadosamente para verificar se o contrato de namoro é a melhor opção para o par.
Quando o casal Luciana e Leandro procuraram pela advogada, eles não sabiam da possibilidade de um acordo do tipo.
Leandro, de 41 anos, conta que já foi casado, tem duas filhas, e passou por um divórcio complicado e burocrático.
“Não queria passar por isso de novo, mas não quero deixar de ter a minha vida. A gente conversou e procuramos a advogada para a gente ver o que podia fazer para continuar namorando e ter um respaldo legal sobre isso”, afirma.
Luciana relata que enfrentou o processo burocrático da morte dos pais, quando teve que cuidar dos inventários, por exemplo, o que a incentivou a estabelecer parâmetros jurídicos.
O casal conta que assim que o relacionamento começou a se tornar sério se questionaram: “Para aonde este namoro está indo?”
Com isso, os dois procuraram auxílio jurídico e foram apresentados à possibilidade de fazer um contrato de namoro, que definiram como a melhor opção para a situação do casal.
“Foi uma conversa bem tranquila”, relembra Luciana.
E se as coisas mudarem?
A advogada explica que, caso o relacionamento termine, o casal não precisa ir até um cartório para atualizar a situação.
“Um dos parceiros diz que o namoro terminou, o contrato se encerra imediatamente”, afirma.
E, se o par decide se casar ou avançar para uma união estável, está tudo certo também: é só atualizar o status do relacionamento de acordo com a lei.
“Muitos casais podem fazer um contrato de namoro e no decorrer aquilo eventualmente pode virar uma união estável. Vai ser uma virada que não vai saber qual o dia começou. É bom o casal estar bem alinhado. E, com o contrato de namoro, eles já se resguardam adiantando qual é o regime de bens que vão ter, caso vire uma união estável”, exemplifica Koteski.
Fonte: G1
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