Notas sobre as Notas

Notas sobre as notas (n. 8)

Publicado em 09/01/2019

NOTAS SOBRE AS NOTAS (n. 8)

Des. Ricardo Dip

AUTORIDADE NOTARIAL (sqq.)

 Entre os vários modos de ser profissional do direito (é dizer, os vários modos de ser um jurista), a ideia de “fé pública notarial” empolga um dado de submetimento à potestade, uma subordinação a algo cuja veracidade, em princípio, não pode recusar-se: p.ex., à vista de uma escritura pública, um advogado, um promotor público, um registrador ou um juiz reconhecerão que, de pronto, ali se encontra uma verdade compulsória: emprestando-se aqui um afoismo referível à res iudicata, podemos dizer que scriptura publica quoque pro veritate habetur -a escritura pública também é tida por verdade.

Já Eduardo Couture, no entanto, apontara a circunstância de que, de fato, na psicologia dos povos, essa fé pública não passava frequentemente de ser uma piedosa (quando não fosse mesmo simples exercício de pusilanimidade pública) conformidade com a imposição legal do reconhecimento da fé notarial, em vez de ser a esperada admissão de uma veracidade encontrada na realidade das coisas.

Esta dissonância entre a compulsão de uma verdade formalmente imposta em lei e a verdade reconhecida de maneira efetiva pela comunidade é, principalmente, o fruto de uma falta de integração conceitual entre, de um lado, essa fé pública notarial -que deriva de uma delegação de potestas, delegação de poder político-, e, de outro lado, a autoridade do próprio notário. Porque, se a primeira se impõe compulsivamente, a segunda só pode ser resultante do consenso comunitário.

É interessante ver quena linguagem comum não falta, muitas vezes, o acercamento ou integração entre a fides e a auctoritas do notário, a ponto de esta última ser de algum referida ou abarcada pelo termo “fé”, p.ex., quando, reconhecendo o prestígio intelectual e moral de um notário, o povo a ele se refira por tabelião digno de fé. Distinguem-se, portanto, a fé notarial, fé compulsiva, e a fé do notário, fé persuasiva.

Mas é preciso investigar um tanto a ideia de autoridade e o que se espera de um notário que tenha autoridade ou fé persuasória.

Já o temos visto, o conceito de autoridade implica o de acréscimo, o de aumento, o de ajuntamento de algo sem o qual não haverá plenitude. Provém o termo vernáculo autoridade de auctoritas, auctoritatis, substantivo latino que, por sua vez, deriva do verbo augeo, aumentar, acrescentar, crescer. Deve-se a Álvaro D’Ors, em várias passagens de sua valiosa obra, mas sobretudo em seus Ensayos de teoría política (Pamplona, 1979), a distinção -cuja importância é fundamental- entre a potestas (de que faz parte a fides publica) e a auctoritas.

Aproveitando-nos desta linha diferencial orsiana, tem-se que o paradigma do notário é o de um homem dotado de saber prático, no qual se delegou a fé pública, mas -e aqui está a incidência da auctoritas– um jurista a que se acrescentou o prestígio do reconhecimento social ou comunitário de seu saber. Ter autoridade é, sempre, ter um saber reconhecido socialmente. Ter autoridade notarial é ter o prestígio comunitário de um saber prático-jurídico próprio da ars notarii: vale por dizer, a destreza nas regras da praxis notarial, mas, incontornavelmente e não menos, uma espécie de “destreza moral”, de honradez, honestidade, probidade… mas intensamente: veracidade. Autoridade e veracidade fazem-se quase sinônimos.

Todavia, que se aguarda da atividade habitual do notário que possui a auctoritas?

Dele se esperam três grandes linhas de conduta ou funções: a primeira, magisterial ou paideica; a segunda, de justificação; a terceira, de governação. São essas condutas ou funções, tanto que exercitadas de maneira habitual, as causas senão de aquisição -pois que esta causa aquisitiva é, de fato, um abandeiramento da tradição notarial, como adiante veremos-, mas de preservação e aumento do prestígio da autoridade do notário.